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Gal Costa volta a estar sob holofotes após polêmica envolvendo viúva

Dois produtos culturais colocam ao centro do debate legado construído pela cantora tropicalista: aguardada cinebiografia e belo disco

Canto dilacerante: Gal se tornou a voz mais importante do movimento tropicalista Canto dilacerante: Gal se tornou a voz mais importante do movimento tropicalista

Aí você vem vindo um dia pela rua achando que tudo tá perdido e se dá conta que, na verdade, Gal é fa-tal - ‘oh, sim, eu estou tão cansado/ mas não pra dizer/ que eu não acredito mais em você’ - e que a borboleta dela precisa sair do casulo e suas músicas serem ouvidas e seu legado posto num lugar do qual nunca deveria ter saído e nem suas chamas terem se apagado, às vezes cometemos, infelizmente, esses lapsos terríveis e desenergizamos a arte.

Gal voltou a brilhar porque Gal sem brilhar é coisa triste. Se após a morte da tropicalista, há quase um ano, fatores análogos à vida artística pulularam ao noticiário, seja recorrendo a ataques carregados de misoginia ou lesbofobia que miravam a empresária Wilma Petrilho, agora há bons motivos para falarmos sobre a relevância da artista: o primeiro, já disponível no streaming, é o disco-tributo “Belezas São Coisas Acesas por Dentro”, da cantora Filipe Catto, e o outro não poderia ser nada além do filme “Meu Nome é Gal”, já nos cinemas.

Uma das cenas mais surpreendentes da produção dirigida por Dandara Ferreira e Lô Politi é quando a atriz Sophie Charlotte (Gal Costa) recria o histórico show realizado no Teatro Tereza Raquel, em 1971, point badaladíssimo da Zona Sul carioca. Poeta, compositor e agitador cultural, Waly Salomão comandou o espetáculo em que Gal misturou Luiz Gonzaga com Janis Joplin e Jimi Hendrix. Aquela turma da MPB puritana dos anos 60 estava por fora.


		Gal Costa volta a estar sob holofotes após polêmica envolvendo viúva
Impressionante: ‘Meu Nome é Gal’ recria clássico que se tornou marco da tropicália. Foto: Stella Carvalho/ Divulgação

Com músicas assinadas por Luiz Melodia, Roberto Carlos e Erasmo Carlos, o elepê “Fa-Tal – Gal a Todo Vapor” envelheceu muito bem. O lado A apresenta músicas compostas por sambistas tradicionais, como Ismael Silva e Geraldo Pereira. Já na outra parte, com guitarra, baixo e bateria, numa sonoridade rock ´n roll, ouve-se o grito agudo de Gal ecoando como uma revolta contra o contexto político do Brasil fardado. Também havia, no álbum, canções de nomes que ainda iriam acontecer, a exemplo de Novos Baianos e Luiz Melodia.

“Meu Nome é Gal” mostra Maria da Graça chegando ao Rio, onde se junta aos companheiros de arte e vida Caetano Veloso ((Rodrigo Lelis), Maria Bethânia (interpretada pela diretora Dandara Ferreira), Gilberto Gil (Dan Ferreira) e Dedé Gadelha (Camila Mardila). O ator Luis Lobianco interpreta o empresário Guilherme Araújo, responsável mandar a real à cantora sobre seu nome. “Provinciano”, sapeca. Maria da Graça Penna Burgos Costa, então, se metamorfozeou em Gal Costa e abraçou a vida nos palcos.

Em 87 minutos, o longa-metragem insere a todo momento o espectador dentro do movimento tropicalista, o principal da contracultura brasileira. Por causa dele, o país experimentou revolução sexual, comportamental, estética e musical, com “Legal” (1970) e Fa-Tal” (1971), ambos de Gal, “Transa” (1971), obra-prima de Caetano Veloso, “Drama”, clássico de Maria Bethânia, e “Expresso 2222”, célebre elepê de Gilberto Gil. O sentimento expressado nesses trabalhos todos oscila invariavelmente entre medo, solidão e depressão.

Não costuma ser a alegria que alimenta a arte da qual mais gostamos, embora fosse a tropicália defensora da alegria. Por meio do canto, Gal encantou, estabeleceu revoluções, afrontou o atraso representado pelo clima de névoa criado pelos militares e, como o novo é uma necessidade à vida, pavimentou o caminho para gerações de cantoras subsequentes, como Marina (ainda sem o Lima), Marisa Monte ou Marina Sena, gosta-se desta ou não.


		Gal Costa volta a estar sob holofotes após polêmica envolvendo viúva
Canto dilacerante: Gal se tornou a voz mais importante do movimento tropicalista. Foto: Stella Carvalho/ Divulgação

À imprensa, durante a pré-estreia de “Meu Nome é Gal” em Salvador, na semana passada, Sophie Charlotte se disse feliz por entregar a obra ao público. “Meu coração tem sensações misturadas, muita saudade, quem vier para o cinema vai concretizar mais uma vez a importância do tamanho de Gal”, declarou a atriz, aos jornalistas, para afirmar, em outro momento, que o longa em si foi sobre “aprender a curtir, a viver, a estar presente”.

Desde “Domingo” (1967), seu primeiro disco, Gal ocupou espaço entre os maiores da música popular brasileira e, ao ser dirigida por Caetano Veloso, rompeu com tudo e todos. Claro, continuou ali sua paixão inequívoca pela música bossanovista de João Gilberto ao mesmo tempo em que os dois, ela e Caetano, sinalizavam para uma linha de canto joaogilbertiano. Depois, quando foi o diretor artístico passou a ser Jards Macalé e o cenográfico Hélio Oiticica, a cantora acentuou sua imersão à contracultura, da qual sagrou-se a maior voz.

Pouco tempo depois, com “Gal Costa” e “Gal”, ambos de 69, a cantora se consolidou como a grande voz feminina da tropicália. Aqui, seu estilo se tornava cada vez mais sólido. ‘Não Identificado”, “Sebastiana”, “Divino Maravilhoso” e mesmo o soul de Roberto, “Se Você Pensa”, com os arranjos de sopros poderiam soar a um ouvido rebelde um exemplo de velhice, mostram que a passagem de Gal pela tropicália era um caminho sem volta.

Até chegar lá, no entanto, Gal precisou se livrar da timidez, que quase a impediu, como “Meu Nome é Gal” nos mostra, de seguir sua verdadeira vocação: a música. Com sua presença nos palcos, sua atitude libertária, seu corpo expressivo e sua voz dilacerante, a cantora transformou a música brasileira e, por tabela, toda uma geração. O filme mostra como ela e seus companheiros Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Jards Macalé, Tom Zé e Wally Salomão, ainda jovens, enfrentaram a dificuldade de serem vanguardistas em meio ao reacionarismo e à violência perpetuada pelos gorilas da ditadura.

Gal Costa enfim tem o que merece: toda a glória do mundo. Pela voz de Filipe Catto, num dos melhores discos do ano, e pela atuação de Sophie Charlotte, o legado transgressor da tropicalista será apresentado para as novas gerações. Gal pra sempre.

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