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Após dois anos parado, Cine Cultura retorna com filmes que refletem passado e presente

O Cine Cultura está de volta. Após dois anos parado, o espaço retorna às atividades com exibição de “Parque Oeste”, dirigido pela cineasta Fabiana Assis, e “Vento Seco”, de Daniel Nolasco, além de “Marighella”, cinebiografia do militante baiano Carlos Marighella. O longa, inspirado no best-seller “Marighella – O Guerrilheiro Que Incendiou o Mundo”, do jornalista Mário Magalhães, marca a estreia do ator Wagner Moura na direção depois de imbróglio para a obra entrar nos cinemas brasileiros.  

Com a temperatura política lá nas alturas, os filmes que serão exibidos nesta terça, 1°, e quarta, 2, ajudam a compreender o Brasil contemporâneo, com a violência policial retratada tanto num estado civil-militar implantado por meio de golpe quanto de uma brutal desapropriação que levou famílias saírem à força de suas residências, deixando uma fatura macabra: casas ao chão, pessoas desabrigadas, abandonadas, sonhos ceifados, sem esquecer, contudo, dos tiros, porradas, bombas e terror psicológico. Foram duas mortes. Moradores, no entanto, estimam pelo menos 20.  

Em “Parque Oeste”, premiado na Olhos Livres da Mostra de Tiradentes em 2019, Fabiana demonstra cuidado ao preservar a história de Eronilde Nascimento, atuante na luta por moradias em Goiânia. O filme, como um todo, serve-se do cinema-denúncia para mostrar um Estado arbitrário que conseguiu espalhar à sociedade a imagem dos ocupantes do Parque Oeste pelo viés da marginalidade. Há na obra uma certa semelhança com o estilo de documentário consagrado por Eduardo Coutinho e João Moreira Salles, dois nomes seminais da narrativa cinematográfica de não-ficção.

Num bate-papo com o repórter em Tiradentes (MG), publicado neste Diário da Manhã, Fabiana Assis aproveitou para criticar o problema da moradia e disse que a história de Eronilde, no final das contas, consegue ser positiva. “Foi um dos maiores atos de violência do Estado, violência de Estado contra a população. Acho que essa questão das moradias é uma das grandes mazelas do Brasil. Entra governo, sai governo, e vemos pessoas morrendo. Outras levam tiro porque estão ocupando”, afirmou a cineasta, que dedicou o prêmio a Jean Wyllys e Marielle Franco.

Mais ou menos pelo mesmo caminho, guardadas – obviamente – as devidas proporções, vai “Marighella”, o falado filme de Wagner Moura. Personagem fundamental para a história da resistência à ditadura, o guerrilheiro tem sua vida ficcionalizada por meio de um personagem humano, carismático e bem-humorado. O grande serviço do filme para a memória coletiva é ser um remédio à amnésia social e permanecer como documento para que se possa traçar a história da opressão policial, problema presente hoje nas periferias dos grandes centros urbanos.

Atenção a quem ainda não viu, há spoiler, e da última cena: desarmado, Carlos Marighella fecha a porta do carona, empurra para frente o banco de frei Fernando e se acomoda atrás. Assim que senta, os agentes da repressão – comandados pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, no filme interpretado por Bruno Gagliasso – puxam a porta do Fusca. Aos berros, tiram Ivo e Fernando. Marighella fica encurralado, espremido. Mancando, Fleury demora a chegar, até que lhe dá voz de prisão, apontando uma pistola calibre 45. Desenrolam-se segundos de um silêncio agonizante.

Para Wagner Moura, numa entrevista à Globo Filmes (produtora do filme) na qual divulgava “Marighella”, o guerrilheiro “é um personagem importante da história brasileira que teve seu nome apagado e foi amaldiçoado”. Talvez daí, sem comprometer a narrativa, Moura achou ser pertinente reconstituir, tendo como base o catatau biográfico escrito por Mário Magalhães, o guerrilheiro na condição de líder da ANL, sua prisão num cinema do Rio de Janeiro, onde foi alvejado sem apresentar resistência. Seu Jorge manda bem demais no papel de Marighella.

Também nesta terça e quarta, na reabertura do Cine Cultura, rolará o provocador “Vento Seco”, do goiano Daniel Nolasco. Radical, transgressor e revolucionário, rompendo paradigmas do cinema queer, o filme não quer nem saber dos mais comedidos em matéria de sexo e lasca cenas explícitas na tela grande. Tudo construído a partir de uma linguagem autoral para mostrar o dia a dia de um operário no interior de Goiás que possui uma vida sexual intensa com a colega de trabalho. Bom gosto cinematográfico, como este escriba percebeu ao observar Nolasco em Tiradentes, é o que lhe guia ao pensar num filme. Taí “Vento Seco”. Tire suas próprias conclusões.

É uma trama que vai em desencontro, como percebeu o crítico Bruno Ghetti na Folha quando longa foi exibido na Berlinale em 2020, do cinema queer contemporâneo que se consiste em fazer a representatividade LGBTQIA+ ser positiva para a sociedade, em geral conservadora e agarrada a visões pré-estabelecidas e preconceituosas. Para isso, diz Ghetti, é preciso evitar falar de comportamentos sexuais que podem contribuir para fixar uma imagem de promiscuidade, especialmente após o surgimento do HIV.

Sem pontas soltas, o enredo é bem encaixado: começa em julho. Aqui, convém lembrar o título do filme, “Vento Seco”, pois é uma estação em Goiás onde a baixa umidade do ar resseca a pele. Não poderia ser diferente uma pequena cidade no interior goiano. Sandro, o protagonista da película, divide seus dias entre o clube da cidade, o trabalho, o futebol com amigos e as festas que acontecem. Ele tem um relacionamento com Ricardo, colega de trampo. Sua rotina, porém, começa a mudar com a chegada de Maicon, rapaz que desperta o interesse dele e do qual todos sabem pouco.

Não será a primeira vez, todavia, que o filme será exibido em Goiânia. No ano passado, “Vento Seco” participou da Mostra Competitiva de Longas Metragens do Festival Internacional de Cinema e Diversidade Sexual e de Gênero (Digo). Foi uma das obras mais aguardadas desta edição. Agora, para quem já viu, mais uma chance. Quem ainda não o assistiu, eis uma oportunidade boa para vê-lo. O filme está ainda no Telecine.

Filmes que serão exibidos no Cine Cultura

Parque Oeste

Diretora: Fabiana Assis

Gênero: Documentário

Sessão: 15h30

Quando: terça e quarta-feira

Marighella

Diretor: Wagner Moura

Gênero: Cinebiografia

Sessão: 17h

Quando: Terça e quarta-feira

Vento Seco

Diretor: Daniel Nolasco

Gênero: Queer

Sessão: 20h

Quando: Terça e quarta

Ingresso: R$ 10 (inteira), R$ 5 (meia) - pagamento apenas em dinheiro. Às segundas a entrada é meia.

Exigências sanitárias para frequentar as sessões do Cine Cultura de maneira segura:

Utilizar máscara;

Uso de álcool gel nas mãos;

Respeitar as demarcações das poltronas;Apresentar o Certificado de Vacinação contra a Covid-19 acompanhado de documento pessoal com foto.

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