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Filho de Vladimir Herzog revela lado cinéfilo do pai

A dor pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog se faz sentir após 45 anos. Morto nas dependências do Doi-Codi paulistano no dia 25 de outubro de 1975, a luta de Herzog contra as injustiças sociais é lembrada a cada vez que figuras com tendências autoritárias aparecem no meio político. No entanto, ainda é pouco conhecido seu lado cultural e cinéfilo: antes de despontar como Diretor de Jornalismo da TV Cultura, Vlado – como ele era chamado pelos amigos – começou escrevendo críticas de cinema para o jornal O Estado de S. Paulo e foi editor de cultura da revista Visão.

Nascido na Iugoslávia em 1937, foi exercendo a intelectualidade e espírito crítico nas páginas do Estadão que Vlado se formou jornalista. Sempre ligado ao jornalismo cultural, ele chegou a colaborar com a Cinemateca Brasileira e filmou homens que viviam de sobras de pesca, em “Marimbas” (1963). Após retornar da estadia em Londres – época na qual trabalhara na BBC -, assumiu a editoria de cultura da revista Visão, onde fez matérias sobre teatro, cinema, educação e televisão. Paralelo ao trabalho na redação, lecionou na Faap e Escola de Comunicação e Artes da USP.

Seja em sua vida profissional ou pessoal, Vlado era apaixonado por cinema e isso fez dele um profissional multimídia quando os recursos eram bastante escassos. No curta “Vlado e Birri: Encontros” (2012), o cineasta argentino Fernando Birri revela uma memória que data dos anos 1950: a visita feita por Vlado e pelo diretor e produtor Maurice Capovilla à Escola Documental de Santa Fé – primeira universidade da América Latina especializada no tema -, “em busca de aprender a fazer cinema”. A paixão era tamanha que levou o jornalista e colega dos tempos de Visão, Zuenir Ventura, a dizer que o amigo teria “partido, hoje, para o documentário”.

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Vladimir Herzog, no meio, entrevista moradores de Canudos para documentário sobre Antônio Conselheiro – Foto: Instituto Vladimir Herzog/ Reprodução

Em 1963 - já após cobrir o festival de Cannes no início dos anos 1960 e ter escrito uma crítica memorável sobre o longa “Jules Et Jim” (1962), clássico eternizado pelo diretor francês François Truffaut -, Vlado manifestou novamente o desejo de se tornar cineasta quando se inscreveu para um curso com Arne Sucksdorff, na cidade do Rio de Janeiro, no qual terminou realizando o documentário “Marimbás”. O jornalista participou ainda como produtor, pesquisador e assistente de direção em longas e curtas que foram exibidos em festivais internacionais, como “Viramundo” (1965), de Geraldo Sarno, e “Doramundo” (1978), de João Batista de Andrade.

“Sim, meu pai era um jornalista de cultura – as colunas que ele escrevia não eram nos cadernos de política, eram nos cadernos culturais. O sonho dele era fazer cinema. Ele colaborou, com João Batista de Andrade, no roteiro do filme “Doramundo”. Meu pai tinha terminado de fazer uma pesquisa em Canudos, inclusive tem bastante material sobre essa pesquisa, então ele tinha meio que combinado com a minha mãe que no ano seguinte, em 76, ia tirar um ano sabático para se dedicar ao cinema”, revela Ivo Herzog, filho do jornalista e conselheiro do instituto Vladimir Herzog.

À memória

Vencedor no Festival de Gramado, a premiação do documentário “Doramundo” foi dedicada à memória de Vlado. “Por você realizei o filme “Vlado”, trinta anos depois” (2005). Por você escrevi minha tese de doutoramento, "O Povo Fala", transformada em livro, onde narro nossa epopeia, realizando um noticiário tão livre e crítico na TV Cultura, o "Hora da Notícia"’, recorda-se João Batista. “O tempo passa, já são 45 anos sem você, Vlado. Mas você jamais sairá de minha memória. Apesar de minha compreensão da história e da política, expresso aqui minha incapacidade de entender a violência calculada e fria com que tiraram sua vida”.

João Batista afirma ainda que todos os dias daqui para frente serão dias repletos de pesar e de condenação aos sistemas políticos autoritários, violentos, anti-democráticos e retrógrados “como o que ainda estamos vivendo nesse momento, num retrocesso inesperado e absurdo”. “Mas todos os dias serão também de reafirmação de nossa fé na humanidade, de nossa luta por um mundo sem perseguições, sem preconceitos, de respeito à diversidade, ao pluralismo cultural e político, de união, de paz, de oportunidades iguais para todos, de liberdade de expressão e opinião”, diz.

Intimado a “prestar depoimento”, o então diretor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo se apresentou no Doi-Codi em 25 de outubro de 1975 e pouco tempo depois a ditadura divulgou uma versão falsa para a morte de Herzog: a que ele havia se suicidado. A repercussão em torno de sua morte foi enorme, expondo uma crise na ditadura civil e militar puxada por manifestações como a encabeçada pelo presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo à época, Audálio Dantas. Em 1978, a União foi condenada como responsável pela tortura e morte do jornalista, contradizendo a versão oficial de suicídio divulgada três anos antes.

“Eu tenho certeza que se ele tivesse com a gente aqui ele estaria sendo conhecido muito mais pela produção audiovisual do que a importância política que ele teve”, crê o conselheiro do Instituto Vladimir Herzog e filho do jornalista, Ivo Herzog. No ano passado, o Itaú Cultural em parceria com o instituto lançou uma exposição – à qual este repórter esteve presente na sede do Itaú, na Avenida Paulista, em São Paulo – sobre o lado cultural de Herzog. Sua capacidade de se indignar com as injustiças, seu cinema preocupado com as injustiças sociais e seu compromisso com a cultura e educação fazem de Vlado um nome que não deve ser esquecido.

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