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‘Bom Dia, Verônica’ retrata violência doméstica

Se José Padilha contribuiu para a romantização da violência a partir de um capitão do Bope que lutava bravamente contra o crime no Rio de Janeiro, a série “Bom Dia, Verônica” vem fazendo sucesso na plataforma de streaming Netflix por mostrar uma escrivã da Delegacia de Homicídios de São Paulo interpretada pela atriz Tainá Muller que luta contra agressões domésticas.

O roteiro, verdade seja dita, tem clichês comuns a esse gênero cinematográfico, como o delegado (Antônio Grassi) que está quase se aposentando e não quer confusão, ou a corrupção intrínseca a corporação que deveria primar pela justiça. Faz parte do jogo – e Hollywood nos mostrou isso com seus suspenses consumidos por nós em exagero.

Inspirado no livro de mesmo nome escrito por Ilana Casoy e Raphael Montes, o primeiro episódio da série já se inicia a mil: uma mulher foi vítima de um golpista num site de relacionamento e vai à delegacia de Homicídios de São Paulo, suicidando-se na frente de todos. Foi um choque. Verônica Torres, que até então vivia sob o ofício burocrático de escrivã, tem sua rotina virada de ponta cabeça.

Em sua incansável caçada ao golpista da web, ela esbarra no caso de Janete (Camila Morgado), que sofre violência psicológica e física de Brandão (Eduardo Moscovis), seu marido e um assassino em série. Mas há um detalhe: ele é o típico policial militar exemplar. Ninguém, em sã consciência, quer nem pode mexer com ele – pois é um cara perigoso.

Ao longo dos oito episódios, cenas assustadoras e difíceis de digerirmos - algo raro nas produções nacionais, especialmente em séries, agora mercado emergente - geram uma repulsa ao arquétipo do policial militar bem-sucedido que vive um casamento à primeira vista feliz, mas no fundo trata-se de um maníaco, de um lunático, de um sádico, de um ser desprovido de qualquer valor humanitário.

A essa altura da trama, a sensação de impotência se intensifica - chegando num nível de asco gigantesco - à medida que a ajuda oferecida por Verônica para tirar Janete da prisão domiciliar criada pelo marido se mostra ineficaz. Verô - como é chamada pelos colegas mais próximos - tenta de tudo, mas esbarra na falta de vontade dos seus superiores.

Então, a jovem policial opta por meios alternativos, e a corrupção no seio da Polícia Civil paulistana vai parar no centro da trama. Dono de medalhas e tido como um herói, Brandão dispõe de um alto cargo na Polícia Militar - ele é tenente-coronel, com mortes nas costas durante confrontos com supostos criminosos, com manchetes dedicadas a esses seus feitos assassinos...

A investigação conduzida por Verônica, com a ajuda de Nelson, um cara simpático que tem uma quedinha por ela, envolve figuras que trabalham na própria Delegacia de Homicídios na qual Verônica é lotada.

Expressões de desespero, impotência, angústia e perplexidade saltam à face da policial - atuação, aliás, exuberante de Tainá, bem como as de Eduardo Moscovis e Camila Morgado. Ainda assim, Verônica não abdica da sua missão de buscar justiça em momento algum. Vai à luta a cada vez que falha. É justamente a ousadia dela que nos alimenta com a sensação de que nada vai dar certo, já que a cada vez que Verônica descobre novos detalhes do caso sua vida passa a correr risco.

Chamou-me atenção uma cena na qual Verônica encontra com seu pai – resignado à cama após quase ter sido assassinado e ver seu nome exposto na mesma sujeita que a filha investiga – e coloca para tocar a música “Coração Selvagem”, do cantor Belchior. Em seguida, Brandão bota no celular “É O Amor”, da dupla sertaneja Zezé Di Camargo E Luciano.

Percebe a diferença?

Assinada por Dado Villa Lobos, a trilha sonora dá o ritmo necessário para a história de “Bom Dia, Verônica”, com Elza Soares falando sobre violência doméstica, Titãs sendo tocado num momento tenso do enredo e Letrux mandando ver um hino da Legião Urbana, no fim da primeira temporada.

Detalhe: ao fim de cada episódio a ficção dialoga com a realidade, exibindo um ficheiro no qual se fala para mulheres procurarem ajuda em caso de violência doméstica.

Em um País onde uma mulher é estuprada a cada oito minutos, “Bom Dia, Verônica” é uma série que deve ser vista. A produção brasileira vai muito bem, obrigado.

Ficha Técnica

‘Bom Dia, Verônica’

Direção: José Henrique Fonseca, Izabel Jaguaride e Rod Souza

Autores: Raphael Montes/ Ilana Casoy

Gênero: Suspense

Disponível na Netflix

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