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Guerra e Paz em dias de isolamento

Apesar da desagradável conjuntura de quarentena, muitos leitores desbravaram o mundo da literatura tirando a poeira de alguns livros momentaneamente esquecidos, assim, aproveitaram para enfrentar aquele clássico que está parado na estante. Sem dúvidas, as obras de Tolstói retornaram para a mente de inúmeros leitores, principalmente o romance histórico de grande relevância na literatura russa: Guerra e Paz. 

O romance histórico é um gênero literário em prosa em que a narrativa ficcional se ambienta no passado. Geralmente, esse gênero é marcado pela influência de eventos e personagens históricos no desenvolver da trama. Ao longo da história, o gênero teve um papel importante em trazer para um público leitor conhecimentos históricos através das narrativas de ficção.

Voltando-se para um dos autores centrais e de grande influência na literatura russa, destaca-se que Liev Tolstói, nascido em 1828, em uma família aristocrática, é também conhecido, para além de “Guerra e Paz” (1869) também pelo romance pelos romance “Anna Karenina” (1877), ambos muitas vezes citados como verdadeiros pináculos da ficção realista. A ficção de Tolstói inclui dezenas de histórias curtas e várias novelas como a influente obra “A Morte de Ivan Ilitch” (1886), Felicidade Conjugal (1859) e Hadji Murad (1912). Ele também escreveu algumas peças e diversos ensaios filosóficos.

Durante a década de 1870, destaca-se que Tolstói experimentou uma profunda crise moral, seguida do que ele considerou um despertar espiritual igualmente profundo, percepções que foram postas a público em seu trabalho não-ficcional “A Confissão” (1882). Sua interpretação literal dos ensinamentos éticos de Jesus, centrada no “Sermão da Montanha”, fez com que ele se afeiçoasse , em análise, um possível anarquista cristão e pacifista. As ideias de Tolstói sobre resistência não-violenta, expressadas em obras como “O reino de deus esta em vós” (1894), teriam um impacto profundo em figuras centrais do século 20 como Wittgenstein, William Jennings Bryan e Gandhi. 

Além disso, Tolstói foi grandemente influenciado política e literariamente por Victor Hugo. Essa influência ficou evidente na obra “Guerra e Paz”, onde Tolstói descreve as batalhas de maneira semelhante à de Os Miseráveis, obra-prima de Hugo. 

“Pretender-se que a vida dos homens seja sempre dirigida pela razão é destruir toda a possibilidade de vida.” Liev Tolstói em “Guerra e Paz”

A história da referida obra  se passa entre os anos de 1805 e 1813, quando a Rússia era um dos poucos países europeus ainda não dominados pelo exército napoleônico. De início, o leitor se depara com a jornada de Pierre Bezukhov, filho ilegítimo de um conde à beira da morte, que é pressionado a disputar a herança de seu pai, integrando-se à vida da corte de São Petersburgo. Com a invasão das tropas de Napoleão a Moscou, Pierre é feito prisioneiro, até que esse infortúnio o leva a repensar a vida que levava nas festas extravagantes da corte, e retorna à vida simples com a amada Natasha Rostov. Outro personagem central para a obra é Andrei Bolkonski, filho do general Nikolai Bolkonsky, que, lutando pelo seu país, falece nos braços da Irmã Maria e da ex-esposa Natasha.

É a partir desses conflitos em comum que Tolstói retrata uma Rússia que se arruina com os horrores da guerra, levando o leitor a refletir sobre temas universais à condição humana, como o sentido da vida, do triunfo e do amor, com um realismo fiel às origens das guerras napoleônicas e ao temperamento do povo russo.

Tolstói não se declarou anarquista e, sim, um cristão crítico ao poder institucional da Igreja. Foi assim que o escritor russo se aliou, de certa maneira, a princípios anarquistas a respeito da influência da Igreja para com a manutenção da propriedade privada. Fez duras críticas às leis de propriedade e ao sentido da guerra para a construção de uma nação. Em carta, escreveu ao amigo Vasily Botkin: "A verdade é que o Estado é uma conspiração desenhada não somente para explorar, mas acima de tudo para corromper seus cidadãos... de agora em diante, eu jamais servirei a nenhum governo em nenhum lugar." O acesso à sua obra é sempre uma revisitação às leis que regem o povo dominado pelo poder da Igreja e do Estado, atraindo tanto o leitor incrédulo, quanto o leitor religioso.

Logo, é possível concluir que durante os tempos de pandemia, a reflexão de conjuntura perpassa por inúmeras questões antes tocadas em seu cerne de maneira atemporal e exposta em romances históricos clássicos como “Guerra e Paz”, que posiciona-se como uma ótima escolha para um aprofundamento literário de quarentena para aqueles que têm interesse em se debruçar sobre as nuances da condição humana.

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