Home / Cultura

CULTURA

Em novo livro, Bernardo Kuciski narra história de mulher roubada dos pais na ditadura

O Brazil, como atestou o compositor Aldir Blanc, assim mesmo com ‘z’, não conhece o Brasil, aquele com ‘s’. Desde sua estreia na ficção, em 2011, com “K: Relato de Uma Busca”, romance que alcançara grande repercussão na mídia, o escritor Bernardo Kucinski tornou-se uma das vozes mais importantes da literatura brasileira contemporânea no que concerne batalhar para aniquilar as forças ultraconservadoras. Kucinski, lá nas primeiras narrativas, como “Você Vai Voltar Pra Mim” (2014) e “Os Visitantes” (2016), confronta a petulante tentativa de reescrever a história de um dos períodos mais dramáticos da República: a ditadura civil e militar.

Com consistente domínio narrativo e saborosa fluidez textual, Kucinski desenterra os horrores cometidos pelos milicos durante o regime da caserna e dos calabouços da repressão. O autor utiliza-se do recurso linguístico da ironia, diga-se de passagem tão necessária nestes dias de fortes tempestades políticas, para potencializar um fato de estrepitosa perplexidade. Em “Julia: Nos Campos Conflagrados do Senhor”, obra que chegou às livrarias digitais neste mês, ele narra a história ficcional de uma mulher (Julia) que, adulta, com 40 anos, descobre ter sido na verdade roubada de sua mãe verdadeira, uma militante de esquerda.

Kucinski, numa época em que a pandemia de coronavírus assola o mundo, expõe feridas que estavam de molho numa compressa negacionista morna. Sétima obra de ficção do professor aposentado da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), “Julia” presenteia os leitores com uma grandiosa narrativa. O centro da história é ocupado por Julia, uma bióloga que, em virtude de um acaso da vida, depara-se com a verdadeira trajetória de sua família, até então desconhecida por ela. Após a morte de seus pais, a jovem entra em conflito com os irmãos, Beto e Jair, para não vender o luxuoso apartamento onde cresceu.

Jornalista Bernardo Kucinski - Foto: Paulo Pepe/RBA/2012/ Reprodução

Para a personagem, a residência lembra sua infância e as memórias ali presentes são valorosas demais para serem simplesmente vendidas. Mas, durante uma reforma no apartamento, ela descobre um estojo metálico no qual encontra um passado bastante caro à família e à sociedade brasileira. “É nesse momento que Kucinski, com maestria, nos envolve em sua narrativa sobre as atrocidades do regime militar instaurado no Brasil”, sentencia o historiador Brunno Moura, em comentário sobre a obra. Os pilares do texto são sustentados por fatos históricos, despertando no público os mesmos sentimentos pelos quais passa a protagonista.

Em “Julia”, o escritor retrata a cadeia de pessoas que compuseram o esquema ficcional de crianças roubadas nos anos de chumbo com a conivência de delegados, despachantes, religiosos, militares e servidores públicos. Foram crimes bastante comuns nos regimes de exceção do Uruguai, Argentina, Bolívia, Paraguai e Chile, mas pouco apurado pelo jornalismo no Brasil em que torturadores limparam suas barras. Na obra de Kucinski, os bebês vão para a Itália por 10 mil dólares cada. Para efeito de comparação, o regime de Pinochet vendia essas crianças por 2 mil dólares. Então, faz-se necessário a seguinte pergunta: será que isso não ocorreu também aqui?

Autor de obras seminais, como “Jornalistas e Revolucionários – Nos Tempos da Imprensa Alternativa” (2003), onde ele disserta sobre a formação da chamada imprensa nanica – de oposição ao regime militar -, o livro “Julia” provoca questionamentos pertinentes nestes tempos de demência coletiva. “O contexto atual, em que o negacionismo ganha mais espaço no mundo, sobretudo nas arestas de uma suposta “terra plana”, a obra de Kucinski não nos deixa sucumbir às fraturas expostas na sociedade”, arremata Moura. Nascido em 1937, o autor viu de perto as agruras da ditadura: sua irmã, professora universitária, foi morta por sicários fardados.

Ficha Técnica

‘Julia: Nos Campos Conflagrados do Senhor’

Autor: Bernardo Kucinski

Gênero: Romance

Páginas: 184

Editora: Alameda Editorial

Preço: R$ 48,00

Um Livro Por Semana #16: Segredo histórico ('Júlia: Nos Campos ...

Leia também:

  

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias