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Streaming disponibiliza clássicos de Sganzerla

O cinema é uma janela enriquecedora sob o mundo. Expoente do Cinema Marginal, Rogério Sganzerla levou ao pé da letra o caráter científico, criativo e útil da sétima arte. Ele não era, no entanto, puramente didático em seus filmes. Sganzerla adorava Oswald de Andrade, autor do “Manifesto Pau-Brasil”, obra que dera origem à semana de arte moderna, em 1922. Tanto que o discurso de seu cinema é oswaldiano no ritmo, no léxico, no aforismo, no trocadilho, na parte pelo todo, na parte pelo todo, não: em toda sua toda estrutura, do início ao fim. A insurgência estética sganzerliana se opôs à mercantilização do cinema, e como.

Trinta anos antes de Godard ser endeusado como o criador da Nouvelle Vague, Oswald já era godardiano. Sganzerla, bom, Sganzerla se arriscava a batucar sílabas plebéias como crítico. Ao realizar o curta “Documentário” (1967), o jovem cineasta bebeu na límpida água do poeta e do diretor onde estava subscrito que os endinheirados nem sempre devem ficar no centro da cena. Por conta da seriedade à qual lidava com a função pública do cinema, o militante da imagem envolveu-se em cabeludas polêmicas nos jornais. Teve sorte, isso sim, de encontrar a atriz Helena Ignez, que de musa sua tornou-se musa do Cinema Marginal.

Ao lado de Glauber Rocha, diretor é reconhecido com um dos grandes nomes do cinema brasileiro - Foto: Itau Cultural/ Reprodução

Ao voltar da Europa, o cineasta leu nos jornais a notícia que lhe inspiraria a fazer “Bandido da Luz Vermelha”: aquela epopéia criminosa de João Acácio Costa, figura violenta que aterrorizou e roubou pelo menos 150 mansões da elite paulistana, entre os anos de 1966 e 1967. Acácio, morto em 1998, tornou-se celebridade. Sganzerla um gênio. Aos 24 anos, condensou a alma do brasileiro e apontou novos caminhos para a produção audiovisual no Brasil. “A síntese da alma do brasileiro é a intuição”, comentou em uma das entrevistas que deu ao longo da vida. Em seu caso, intuição e genialidade, genialidade e intuição, não importa a ordem. Era gênio, e ponto.

Assim era “O Bandido da Luz Vermelha”: Godard, Welles, Welles, Godard, quiçá com um temperinho oswaldiano aqui e ali, ali e acolá em meio aos dois figurões do século 20. No entanto, achou que parou, é?, ainda tinha mais a televisão, as manchetes que estampavam os jornais, a Boca do Lixo - paraíso da putaria e do cinema em São Paulo -, o Brasil gritante que crescia na incipiente metrópole brasileira que dava os primeiros sinais de agonia na época dos fardados. Em vez da política, uma obsessão glauberiana, Sganzerla botou em cena o banditismo, aquela coisa inútil, sem sentido, desesperada contra uma vida que, sabemos, não vai se endireitar.

“Nossos filmes (os brasileiros) são diferentes quando copiamos os europeus”, disse o cineasta marginal, em 1968. A frase era o prenúncio da tensão que acompanharia sua carreira: o desafio de uma expressão nacional em sua arte, em paralelo com a revolta em relação a um País que, em sua visão, maltratava os verdadeiros artistas. “Neste país perdoa-se tudo, menos a inteligência”, atestou o mestre da identidade cinematográfica brasileira, de acordo com o sociólogo Gilberto Felisberto Vasconcellos, em ensaio publicado na Folha de S. Paulo. Sganzerla passou a ter dificuldade pra conseguir realizar seus próximos filmes. “Eu tenho mais tentado do que conseguido trabalhar”.

Sganzerla era crítico dos mecanismo de financiamiento do cinema brasileiro - Foto: Autor Desconhecido

O primeiro título da trilogia sobre a passagem do ator norte-americano Orson Welles ao Brasil, “Nem Tudo É Verdade”, demorou seis anos para ser feito. Seu último filme concluído, “O Signo do Caos” (2003), rendeu ao cineasta o prêmio de melhor diretor no Festival de Brasília no mesmo ano. Doente, o pai do Cinema Marginal não compareceu, porém encaminhou aos organizadores um texto em que reafirmava sua indignação com o sistema de financiamento de filmes no Brasil – à época concentrado na aprovação, pelo governo federal, de projetos que, com benefícios de renúncia fiscal, dependem de empresários para ter patrocínio.

Filme antigo, roteiro pré-histórico, o financiamento do audiovisual no Brasil. Rogério Sganzerla era inquieto, não aceitava as coisas mastigadas e prontas. Terminou a carreira com o belo “O Signo do Caos”. Era, como disse o documentarista Silvio Tendler, um cineasta que fazia trepidar as catedrais. E fez: “O Bandido da Luz Vermelha” e “Copacabana Mon Amour” – só pra citar dois dos seus filmes mais importantes – que entraram pra a história do cinema brasileiro. Quer queria, quer não queria, o cinema brasileiro, a identidade do nosso audiovisual, deve – e muito – a Rogério Sganzerla, o cara que misturou Welles e Godard, com Oswald de Andrade. Gênio, gênio.

Veja os principais filmes de Rogério Sganzerla que estarão na mostra

‘O Bandido da Luz Vermelha’ - 1968

Inspirado em fatos que estampavam as páginas dos principais jornais da época, o filme acompanha a perseguição de um policial ao famoso assaltante que tornou-se conhecido por invadir casas luxuosas, em São Paulo, com uma lanterna vermelha.

‘Copacabana Mon Amour’ - 1970

Uma prostituta que ganha a vida no calçadão de Copacabana, no Rio de Janeiro, sonha em ser cantora na Rádio Nacional. Ela acredita que seu irmão esteja possuído por uma força sobrenatural e tenta salvá-lo do perigo.

‘Viagem e Descrição do Rio Guanabara por Ocasião da França Antártica’ - 1976

Documentário histórico sobre mostra a tentativa de implantar uma colônia francesa na cidade do Rio de Janeiro e a construção do Forte Coligny na baía de Guanabara.

‘Brasil’ – 1981

O filme musical comemora o lançamento do disco de mesmo nome do cantor João Gilberto, morto no ano passado. A produção conta com participações especiais de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e do cineasta Orson Welles.

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