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Renegado pelas gravadoras, 'Nuvens' escancara por que Tim Maia é o chefão do soul

Sem grana, sem trampo e sem mulher, o chefão do soul Sebastião Rodrigues Maia, conhecido nos quatro cantos do Brasil como Tim Maia, mandou os charlatões da seita Racional Superior às favas. De meados dos anos 70 até o início da década de 80, o big boss fez seis discos de alto nível, mesmo com os conhecidos problemas extramusicais, que envolviam críticas pesadas à TV Globo e ao jabá das gravadoras. Tim estava inspirado e animado. Mas, por essas e por outras, não tinha crédito no mercado fonográfico. Como fazer, então, para lançar um novo LP? Para retornar aos holofotes, o quê criar?

Tim Maia recorreu à própria gravadora, aberta na década de 70 e batizada com as iniciais do seu nome. Era uma tentativa de voltar para o mundo do disco. Para cobrir os custos industriais do álbum (pagar músicos, compositores, confecção e distribuição), Tim gravou um compacto, que era barato e serviria para fazer o caixa necessário a fim de bancar a produção do LP. Quando findara a gravação, o chefão do soul sabia que seria um sucesso e colocou a romântica “Amiga”, de Edinho Trindade e Cleonice, como lado A do single. O lado B estava reservado para “Do Leme ao Pontal”.

Tim Maia era famoso por não ir aos shows e por ser bem-humorado - Foto: Reprodução

A música caiu como um raio nas rádios do Rio de Janeiro e se espalhou para todo o Brasil, aumentando a temperatura do verão, virando um dos maiores sucessos de 1981 e se tornando um dos grandes clássicos da carreira de Tim Maia. Os metais da banda Vitória Régia vibravam na famosa introdução. “Do Leme ao Pontal, não há nada igual, do Leme ao Pontal, não há nada igual”, canta o big boss. Mas o que não saia da boca do povo era, como diz o jornalista Nelson Motta na biografia “Vale Tudo – Tim Maia”, “o refrão gastronômico”, cantado de norte a sul, em uníssono: “Tomo guaraná, suco de caju, goiabada para a sobremesa”.

Após vender 20 mil cópias, a Vitória Régia entrou no estúdio para gravar o impecável “Nuvens”, gravado e lançado em 1982. O disco é reconhecido como o mais vigoroso trabalho do rei do soul, mas a sua genialidade não o impediu de passar despercebido. Um dos mais inspirados álbuns da discografia de Tim, o LP é citado por críticos com frequência como o último momento do auge artístico do chefão. Os arranjos foram produzidos pelo big boss com riffs de metais saborosos do trompetista Paulo Trompete e harmonia funkeada do guitarrista Beto Cajueiro.

“Nuvens” abre romântico e suingado, numa bela melodia assinada pelo compositor Cassiano, um dos expoentes do movimento Black Rio. Em seguida, a música mais surpreendente do álbum: um sambão clássico, sem firulas, nem frescuras, que poderia ser de autoria de um Ismael Silva ou Ataulfo Alves. “Ao passar dos anos lentamente, vi que você era outra mulher, ah, você mudou sensivelmente, parecia até uma qualquer”, canta Tim, ratificando a pegada que remete ao melhor da tradição do samba carioca. A terceira faixa, parceria com Robson Jorge, é um manifesto ecológico, que serviria facilmente para criticar o ex-capitão.

Tim no estúdio em algum ano da década de 1970 - Foto: Reprodução

“Se virou cinza, foi você quem quis, se virou chama, foi você quem quis... mas eis que estão matando o verde e o que irá sobrar? Sujando os mares e os rios, poluindo o ar”, diz Tim, com sua voz grave potente, acompanhada por uma guitarra soul-funk. Na sequência, o pancadão “A Festa”, com gritos, zoeiras e palmas no fundo, contagia o ouvinte. Era a malandragem e a cafajestagem do chefão no estúdio. A primeira música do lado B vai pelo caminho da tristeza. “Minha mãe sempre dizia, vai chegar o dia que você vai ficar só, porque tenho um gênio forte”. Toda essa tristeza, porém, não passa de três, quatro minutos, e tudo retorna à normalidade.

O ataque de metais anuncia o groove cheio funkeado com explosão de alegria na faixa “Haddock Lobo Esquina com a Matoso”, uma viagem sentimental às noites cheias de sonhos de garotas e meninos pobres que curtiam música, na Tijuca, no final da década de 1950. “Haddock Lobo, esquina com a Matoso, foi lá que a confusão começou! Erasmo era um cara espero, junto com Roberto”, canta o chefão do soul, relembrando os tempos de dureza financeira e vontade de ser reconhecido como um gênio. A musicalidade de Tim estava madura e brilhava do início ao fim do disco. Ouçam, apenas, ouçam. "Nubens" é sensacional.

Ficha técnica

‘Nuvens’

Gênero: Soul, funk e samba

Gravadora: Seroma

Disponível no youtube

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