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Playboy deixa de circular em meio à pandemia provocada pelo coronavírus

O coronavírus fez uma vítima diferente. Parou de circular em versão impressa a Playboy americana, a original, a precursora, a mãe de todas as edições publicadas mundo afora. Fecha-se um ciclo que fez história, onde jornalistas como Hunter S. Thompson e Norman Mailer brilharam com suas reportagens irreverentes, irônicas e inventivas. No entanto, a revista agonizava na praça da galáxia de Gutemberg fazia tempo e jogar a culpa do fechamento à moléstia que aterroriza o mundo, como disse o CEO da PlayBoy Enterprises, Ben Kohn, é sinônimo de desonestidade.

Com o advento da internet, a mídia escrita entrou em colapso financeiro e a nudez acabou sendo castigada, banalizada e vulgarizada pela infinidade de conteúdos pornográficos que estão a apenas um clique de distância na rede mundial de computadores. O desfecho, porém, já era aguardado desde a morte, em setembro de 2017, de Hugh Hefner, fundador, editor e simbolo da Playboy. Dois anos antes, a revista renunciara a duas das suas cláusulas: o nu frontal e artístico. Mas, quer queira, quer não queira, foi uma aventura que durou 66 anos de desafios à moral da nossa época.

No Brasil, a Playboy começou a ser publicada em agosto de 1975, e teve a atriz Rosicleide na capa. Os ensaios de Sônia Braga, em setembro de 1984; Cláudia Ohana, janeiro de 1985; Maitê Proença, agosto de 1996; Vera Fischer, janeiro de 2000; Alessandra Negrini, abril de 2000; e Nanda Costa, agosto de 2013, se tornaram objetos de culto masculino. “O fechamento da revista significa o fim de uma era”, afirma o economista Marco Polo, 44. Assinante da edição brasileira na década de 1990, ele relata que o primeiro impresso que comprou foi a da modelo Luma de Oliveira, que posou em setembro de 1987, e é considerado um dos clássicos da publicação.

“Passei o maior medo: vai que o rapaz da banca não quer me vender, quer chamar a polícia, eu era menor de idade”, lembra Marco. O economista conta que estava com um amigo e, após comprar o exemplar da revista, optou por ir embora a pé a fim de ninguém ver que andava com a Playboy embaixo do braço. “Li no trajeto, meio que a escondendo para que as pessoas não vissem. Conversava com os amigos que também tinham outras edições. Fazíamos a troca das revistas. A gente ficava ansioso e apreensivo para ver qual era a artista que seria a capa”, rememora.

A revista Playboy, diz o jornalista e sociólogo Renato Dias, não suportou a revolução tecnológica, o mundo digital, com a rede mundial de computadores e suas possibilidades. “A exibição, hoje, pura e simples, do corpo nu da mulher traduz, no século XXI, tempo presente, do coronavírus, a cultura do machismo, sexismo e misoginia”, avalia o cientista social. “O seu conteúdo lembra também da triste época de ironias politicamente incorretas contra a comunidade LGBTSQUIA”. Sob a ditadura civil e militar, porém, a “Playboy era transgressora”.

“O veículo de entretenimento e comunicação cumpriu um papel relevante no campo dos costumes, ao atacar a moral e a sexualidade conservadoras”, explica o pesquisador dos ‘Anos de Chumbo e de Ouro no Brasil e na América Latina’. Segundo o periodista, o corpo da mulher era adorado pelo Deus-Mercado, “como objeto de consumo”. “A revolução de 1968, as lutas feministas do século passado, das sufragistas até hoje, conquistaram direitos para as mulheres e até os Estados Unidos, uma sociedade esquizofrênica, sepultaram a Playboy, que no Brasil, já era”.

Fundador

Hugh Hefner se tornou, em seus últimos anos de vida, uma personalidade caricata, quase sempre aparecendo para as lentes dos paparazzis com pijama de seda, em sua mansão em Los Angeles. Na redação, os editores tinham de lidar com os palpites do patrão. E Hefner, a verdade é essa, na maioria das vezes, acertava na tacada. Tanto que o fundador da revista Playboy foi um dos primeiros, quando isso ainda não passava de paranoia, a ver o inimigo se aproximando. De certo modo, ele acertou: a rede mundial de computadores, que revolucionou o jornalismo, o comportamento, o sexo e a nudez, escancarou a fragilidade dos modelos de negócios adotados pela imprensa.

Na cabeça do dono, a Playboy deveria resgatar o espírito libertário para ser viável na era da internet. De fato, a revista nasceu com esse propósito, e os valores editorias de Hefner foram relatados pelo jornalista Gay Talese no livro-reportagem “A Mulher do Próximo”, obra em que o repórter americano mergulha na permissividade dos costumes do Tio Sam. Acredite, o editor tinha um olhar aguçado e publicou as fotos de uma exuberante loira, ainda uma novata do cinema, ao adquirir as imagens por 500 dólares. O mundo ficara de queixo caído com a beleza de Marilyn Monroe. Mas eram tempos de Macarthismo e, vejam só, a paranoia anticomunista dos States estava a todo vapor.

O serviço postal não queria despachar a revista aos leitores. Estabeleceu-se, então, uma relação entre Hefner e o Partido Comunista dos Estados Unidos: a Playboy era distribuída, na surdina, com o jornalão do partido. Desde o início, o chefe queria um padrão fotográfico que não esbarrasse na vulgaridade. Foi aí que surgiram nomes como Helmut Newton, Herb Ritts, entre outros. No Brasil, os artistas das imagens também eram gente do primeiro time, como Bob Wolfenson e J.R Duran. Jornalisticamente, tanto aqui como lá, as entrevistas eram verdadeiras aulas, reunidas no livro “As 30 Melhores Entrevistas de Playboy” - com as melhores da edição Brasileira. O papo com John Lennon, publicado em dezembro de 1980 na edição americana, virou livro, lançado pelo jornalista David Sheff.

“As melhores entrevistas foram feitas com Luiz Inácio Lula da Silva, o operário barbudo da linha de montagem que deflagrou as greves do ABC em 1978, 1979 e acabou preso no Dops (SP), do delegado de Polícia Federal Romeu Tuma, e chegaria, em 2002, ao Palácio do Planalto”, informa o jornalista e sociólogo Renato Dias. Ele lembra ainda do bate-papo especial com o advogado Fidel Castro. “Um revolucionário que derrubou o ditador Fulgencio Batista, um sargento mulato, com Che Guevara, que depois ficaria no poder 49 anos, nova ditadura de partido único”, destaca. "Assim como a conversa com o treinador de futebol João Saldanha, sacado por Emílio Garrastazu Médici”, frisa.

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