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Punks no Guanabara

O movimento punk goiano volta e meia explode nas quebradas. Não, os papais deles não os sustentam. Não, eles não têm dinheiro na conta. Não, eles não tocam em rádios.

Nem na “rádio rock”.

Eles são realmente punks, periféricos, distantes demais da indústria cultural que se sobressai sugando justamente a energia dos jovens.

Os indignados ressurgem vivificados a cada sonho desfeito. Como, por exemplo, ocorrerá neste sábado (12), a partir das 19h, no Jardim Guanabara I (Avenida Nazareth, Qd. 150, lote 6), com o grupo Bruxa do 71, Corretas, dentre outros ignorados e sequer lembrados pelas bandas de lá da cidade rock.

Tais grupos não correm atrás de patrocínio, lei de incentivo da cultura, nem acreditam no Estado. Perguntam: “Ele existe? Onde?”, fala Marcelo Sacolão, da banda EXDF.

O movimento punk é e sempre foi marginal. Não sendo isto, não é original, não é sequer um simulacro.

Como tem ocorrido na cena de Los Angeles e Nova Iorque há pelo menos uma década, as reuniões dos punks latinos ocorrem nas ruas, no fundo do quintal, integrando um cenário de esperanças suturadas em meio à decadência dos bairros que não recebem adequados investimentos do poder público e da iniciativa privada.

Junção da Bruxa com Os Corretas e EXDF - foto: divulgação

Um dos mentores desse movimento punk em Goiás - e realmente raiz - é Alexandrio Damond, vocalista da Bruxa do 71. “A primeira vez que vi e ouvi falar do punk foi no início dos anos 80, com o lançamento da música ‘Punk da Periferia’, do Gilberto Gil, em 1983.

Tudo associado ao estilo, estética visual (corte de cabelo), roupas, calçados e acessórios (cintos, coturnos...). “Nessa época, estava com 11 anos, cursando a 6ª série no Colégio Claretiano Coração de Maria, no Centro”, recorda o músico, que sentiu primeiro na pele o que era ser “punk” e só depois absorveu a “ideologia” importada do Dead Kennedys.

Damond lembra que ali mesmo próximo dos sebos de LPs e HQs se transformaria pouco depois no “point” punk de Goiânia: “O local se transformou em reduto de punks, metaleiros, junks e de conflitos ideológicos. Contracultura, filosofia, ideologia ou não, o movimento, só conheci mais tarde. Afinal, morávamos longe demais das capitais. Tudo por aqui chegava com atraso.”

Quem visita o Jardim Guanabara I de noite já percebe em uma das ruas o som estourado. Ele ricocheteia nas paredes pichadas, nos carros abandonados pelas ruas, no vácuo deixado pelos “Vende-se” e “Aluga-se”. Da esquina já se percebe a microfonia… É a Bruxa do 71.

Será assim novamente neste sábado. A distorção não vem de um pedal importado Boss ou de alguma frescura tecnológica. Trata-se do barulho embolado de uma caixa cujo alto-falante já arrebentou de tanto ser tocado no último volume. É ali, naquele momento, que Damond e seus amigos fazem o protesto nu-cru: “O desamor tá em tudo, tá em todo lugar/ A tempestade é sombria, a desigualdade também/ Até os anjos do céu economizam amém/ O feijão está caro, a gasolina também/ Até político ladrão já tá virando refém/ A violência é sua, e é minha também, ninguém quer assumir.”

O ambiente punk do Guanabara costuma ser aberto. Pessoas que jamais ouviram um som punk ou algo tão agressivo têm a oportunidade de conhecer a revolta ao vivo e em cores – e no escuro, afinal, a cidade [em qualquer bairro que não seja centralizado] está esvaziada, abandonada, sem iluminação, suja e imersa no ocaso.

Neste ambiente, as rosas que falam são jovens e adultos indignados com uma realidade cuja massificação da cultura atende exatamente a uma estandardização, uma linha de montagem que insiste em perpetuar na juventude um exército de autômatos.

Sex Pistols

Outro ícone do movimento da periferia é o baixista Ireno Campos, chamado de Ireno Vicious – o sobrenome de ‘batismo’ é óbvio, remete ao lendário Sid Vicious, sustentáculo da imagem mais nervosa do Sex Pistols.

Ireno tem em sua família um dos maiores bateristas goianos – o irmão Washington, virtuose que acompanha grandes músicos do cenário local e nacional –, mas jamais traiu seus princípios de tocar “só um pouco” ou “só o necessário” para fazer barulho.

Os Corretas e Bruxa do 71 na calçada da rua, onde tocam - Foto: Reprodução

Sapateiro, comanda sua vida de ‘self-made man’ na “Doutor calçados”. Faz ali sua vida de homem de família. Sustenta seu filho. Cuida da esposa. Mas nas bandas Bruxa do 71 e EXDF apresenta suas armas: a indignação contra o sistema. E vai morrer sem desistir.

No Guanabara, Ireno é o dono do pedaço. O sambista que dociliza (ou energiza ou enerva) a comunidade. Abre os braços e mostra cada morador, seus parceiros de existência.

Sabe dos mais antigos, que começaram a habitar a região ainda na década de 1950. Sabe dos mais moços. Dos alcoólatras, curandeiros, do marceneiro, do advogado, do pedreiro.

Sabe tudo da região. No Primus Bar, na Avenida Nazareth, ele fala de igual para igual com os “ouvintes” do som punk. Chega, senta no meio-fio e afina seu baixo sem trastes (seria um baixo fretless à fórceps?) e divaga sobre a falta de espaços para manifestações culturais de trabalhadores e pessoas comuns.

Hard Core dominou cena musical goiana desde década de 80

Goiânia começou pós-punk. Dentre 1985 e 1987, a banda Quarto Mundo anunciava o desespero de ser jovem numa cidade caipiria. Neste contexto, o 17º sexo já dialogava com a rebeldia nacional.

Pouco depois, neste contexto surgiu a HC 137, conjunto formado por, dentre outros, Cláudio de Castro e Maurício Mota – irmão do Sacolão da EXDF.

A HC 137 é uma lenda do punk goiano. Ainda na ativa, marca uma época. A gravação em LP do punk e hard core da HC com a Morte Lenta, grupo que tinha em sua formação ex-músicos do HC 137, está nos anais da rebeldia autêntica e verdadeira dos goianos.

Deste núcleo surgiram outras bandas – não tão punks, mas necessárias, como Hang the Superstar, A Coisa e Rollin Chamas.

Pouco depois da HC 137 surgiu outra longeva: a Exame de Fezes (EXDF), que habita o Cerrado desde os anos 80. João Punk e os Lobinhos também são testemunhas de que tudo começou naqueles anos.

O punk rock ‘old school’ d’Os Señores leva o estilo a outro nível, mais produzido e elaborado.

E neste contexto de novo século é que a Bruxa do 71, além de outras bandas, como o “Corretas” (só de corretores), marca um novo capítulo de inocência e voracidade para dizer, sem medo de errar, “punks not dead!”.

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