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Documentarista tem história revista em filme

Em meados dos anos 1950, a produção audiovisual na América do Sul ainda buscava formas de se fazer visível no restante do mundo. Na Venezuela, uma jovem de origens judaicas começava a fazer história através de seus documentários. Margot Benacerraf tem hoje 93 anos, e ainda é lembrada como um verdadeiro marco para o cinema de seu país e de toda a América Latina.

Obteve visibilidade através dos filmes “Reverón”, de 1952, e “Araya”, de 1959. Este último foi exibido em Cannes, e contemplado, juntamente com a ficção “Hiroshima mon amour”, do francês Alain Resnais, com o prêmio da crítica. O filme “Madame Cinéma”, dirigido por Jonathan Reverón, um destaque no Festival de Cinema de Lima, estreou recentemente para resgatar a memória da documentarista.

Além do legado que deixa em vídeo, Benacerraf também foi pioneira em atitude. Foi uma das primeiras cineastas latino-americanas a estudar no Idhec (Instituto de Estudos Cinematográficos Avançados) de Paris – casa que já recebeu nomes como Louis Malle, Claire Denis, Paulo Rocha e o brasileiro Nelson Pereira dos Santos. Benacerraf também fundou a Cinemateca nacional da Venezuela em 1966, presidindo a instituição pelos três anos seguintes.

Nos anos 1990, com ajuda do escritor colombiano Gabriel García Márquez (vencedor do Nobel da Literatura), criou o Fundavisual Latina, uma fundação encarregada de promover a arte audiovisual da América Latina através de projetos de exibição, investigação e formação em estudos de cinema e televisão em todo o continente.

Araya, de 1959

Películas

O primeiro documentário de Margot Benacerraf, “Reverón”, lançado em 1952, conta a história do pintor e escultor venezuelano Armando Reverón (1889-1954). O curta-metragem mostra em 23 minutos um único dia na linha do tempo do artista, lembrado principalmente por suas “bonecas”, objeto constante em suas obras.

O curta começa mostrando a criação de um autorretrato, em meio ao universo particular de Reverón, um ambiente rústico, decorado por várias de suas bonecas penduradas. Reverón nasceu em Caracas, e teve a oportunidade de viajar duas vezes para a Espanha, onde adquiriu grande influência de pintores, como Francisco Goya, grande ícone do romantismo europeu dos séculos XVIII e XIX. O curta foi exibido no Festival de Cinema de Berlim.

Sete anos depois, a cineasta apresentou ao mundo aquela que é considerada uma obra-prima do cinema etnográfico da América Latina: “Araya”, de 1959. O longa-metragem mostra a vida dos trabalhadores da mina de sal de Araya, um vilarejo no leste da Venezuela. Naquele período, o método de extração de sal depende de exaustivo trabalho físico, mas viabiliza o sustento de várias famílias da região.

O filme encerra com uma perspectiva de modernização, o que pode eliminar a tradicional fonte de renda da comunidade. Além de ser exibido em Cannes, foi indicado à Palma de Ouro – prêmio máximo do evento – e contemplado com o prêmio da crítica, tornando-se um dos primeiros filmes latino-americanos premiados pelo festival.

Armando Reverón no curta Reverón, de 1952

Atualidade

O documentário “Madame Cinema”, dirigido por Jonathan Reverón, foi tema de uma recente matéria do jornal El Comercio, importante veículo de comunicação do Peru. No texto de Enrique Planas, que aponta para o destaque da obra no Festival de Cinema de Lima, contamos com uma entrevista do diretor, que entrega-nos alguns detalhes sobre a vida e obra de Margot Benacerraf, e das dificuldades de fazer cinema na Venezuela.

“A crise uniu os sindicatos e os cineastas que estão fora do país econômica e emocionalmente. E se você tem uma câmera, deve cuidar dela, porque sabe que não tem petrodólares para comprar outra. E, obviamente, se você quer fazer ótimos filmes da indústria, é simplesmente inviável”, declarou o diretor.

O documentário “Madame Cinéma” nos revela, de acordo com Enrique Planas, “A vida de uma mulher que, aos 26 anos era reconhecida no festival de Berlim por seu curta-metragem “Reverón”, e que seis anos depois triunfava em Cannes com Araya, peça imprescindível para o cinema moderno da América Latina”. Jonathan Reverón foi um dos cineastas venezuelanos que permaneceram no país em meio à crise. “Se você cria raízes em um lugar, é para lutar por ele.

E não posso pensar que o país está condenado ao inferno. Estou seguro de que podemos sair dessa armadilha”, afirma. Madame Cinéma é uma prova do otimismo de Reverón, e simboliza o resgate da história de um país que hoje é visto mundialmente como referência de abismo, mas que possui resistência e grande riqueza cultural.

Margot Benacerraf nos anos 1950

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