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A estética e a ética do erotismo: problemáticas estruturais de seus desdobramentos

Pode-se estimar que a cultura ocidental gira bastante em torno do erotismo e, infelizmente, da pornografia. De registros caseiros ainda no período silencioso até a comercialização no ciclo pornográfico, o cinema erótico carregou estigmas e preconceitos, representações por vezes grosseiras e machistas, mas, como outros gêneros é tomado de invenção, criatividade e poder de sugestão.

Além disso, existe um limbo significativo que distingue o erótico do pornográfico. Enquanto no erótico, encontramos conteúdos eufóricos e poéticos, o pornográfico, sem valor algum ao que tange a arte, é disfórico, perverso e problemático.

O cinema erótico não apresenta de forma coerciva ou obrigatória o ato sexual e a nudez, sim apresenta uma narrativa sugestiva. Com esse teor de subjetividade, no universo discursivo da cultura ocidental, há um campo próprio ao que se pode chamar discurso erótico. Já a pornografia, além de explícita, trata o sexo de maneira obrigatória; as imagens tendem a priorizar o olhar masculino e a instituição de um padrão de beleza.

De acordo com Antonio Vicente Pietroforte, analista do texto visual, essa curva inversa permite que se haja pelo menos dois modos contrários de valorização do sexo – valorização eufórica ou disfórica na tonicidade investida. – Em síntese, todo discurso erótico fala de sexo, mas nem todo discurso que fala de sexo é erótico.

Tendo em vista o peso cultural do erotismo na cultura ocidental, é fato que o tema reverbera para a manifestação artística, nesse caso em específico, o cinema. É a partir do século XIX que o erótico chega ao cinema, também sendo destinado a um público masculino. Diversos filmes com conotação erótica marcaram a história da sétima arte.

É inegável que a objetificação da mulher existe maior parte dos filmes

As produções eram audaciosas, filmes como O Desprezo (1963, de Jean-Luc Godard), A Primeira Noite de um Homem (1967, de Mike Nichols) que inclusive recebeu sete indicações ao Oscar, O Último Tango em Paris (1972, de Bernardo Bertulucci), O Império dos Sentidos (1976, de Nagisa Oshima), Veludo Azul (1986, de David Lynch), Ata-me (1989, de Pedro Almodóvar), entre outros, consagraram o erotismo no cinema.

“A ambiguidade e a bipartição caracterizam, de um modo mais típico, o problema do erotismo quando, mais do que qualquer outro, ele parece resistir às definições, flutuando entre o físico e o espiritual”. (Lou Andreas-Salomé, O Erotismo).

Entretanto, a problemática presente nesse tema é evidente, é inegável que a objetificação da mulher existe maior parte dos filmes; além de um foco maior no corpo feminino desde o ato de se despir até em suas expressões faciais, existe um fator clichê e de muito mal gosto na construção das personagens femininas, que em sua maioria são sensuais, e tem como maior objetivo agradar ou conquistar algum personagem masculino, sem grandes propósitos para a trama.

Em uma abordagem crítica do tema, Léa Santana, doutora em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo, sustenta que, o cinema - de uma forma geral - sempre foi visto como território masculino e a crítica feminista ao cinema se utiliza da Psicanálise para justificar tal afirmação.

O erótico e o pornográfico, ainda que semelhantes em sua essências, divergem completamente em seus desdobramentos

Laura Mulvey, ainda em 1975, já se inspirava nos escritos de Freud para explicar como o cinema reflete, revela e até participa da interpretação heterossexual socialmente estabelecida da diferença sexual que controla as imagens, as formas eróticas de olhar e observar.

A discussão se desdobra até a tese de que o cinema hollywoodiano utiliza os mitos patriarcais para posicionar a mulher como o Outro, dando especial destaque ao gênero melodrama que normalmente seria destinado às mulheres, tal como o faroeste seria um gênero destinado aos homens na função de limitar e educar as mulheres a aceitarem tais restrições como comuns e naturais.

Além disso, voltando-se para a problemática presente em conteúdos pornográficos, existe uma leitura da pornografia proveniente da ala radical do feminismo que a vê como um produto legitimador do patriarcado. Logo, a visão de um “pornô light” é utópica, tendo em vista que a indústria pornográfica perpétua, nutre e endossa as linhas de desumanização da mulher.

A mais fervorosa defensora desta linha de pensamento, a americana Andrea Dworkin afirma, em seu texto Why pornography matters to feminists (1981), que “pornografia significa que a mulher é uma coisa; pornografia significa que ser usada como coisa preenche a natureza erótica da mulher; pornografia significa que mulheres são coisas que os homens usam”

Léa Santana, em seus estudos, também levanta a visão da americana Catharine MacKinnon (1982) que defende que, nas sociedades contemporâneas, não apenas a pornografia é uma indústria de massas que explora, sexual e economicamente, a desigualdade entre homens e mulheres visando o lucro como também institucionaliza uma sexualidade de supremacia masculina. O modo como as mulheres são representadas é, na verdade, a forma como os homens as veem e isso define seu comportamento.

Deslizando por notáveis nuances, embora com facetas de vertentes problemáticas, o erótico e o pornográfico, ainda que semelhantes em sua essências, divergem completamente em seus desdobramentos. Felizmente, na contemporaneidade, diálogos são traçados em torno das referidas temáticas e suas influências na estruturação do sujeito moderno.

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