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A arte de falar ‘eu te amo’

Existe o cara contido, tão frio que o vento gélido de São Paulo parece besteira. São pessoas que embora amem, seguram o “eu te amo” até o último momento. É sempre perigoso, pois quando resolvem falar, pode ser tarde. Para esse tipo de gente, como li num conto de “A Vida Como Ela É”, do tio Nelson Rodrigues, só há uma maneira: pegar a navalha e metê-la na jugular do filha da puta. Não tem outro jeito.

Minha intenção, no entanto, é me dirigir ao oposto dessa gente sem sentimentos.

Meu nobre leitor, se você é do tipo que fala “eu te amo” de uma forma, digamos, um tanto quanto precoce e irresponsável, no tesão do coito e movido pelo gozo da noite, como já fez – e ainda insiste em fazer – este afobado cronista de costumes, prepare seu coração para as coisas que vou contar.

Se a companheira for adepta do amor livre e estiver preocupada com a revolução, até achará empolgante seu anúncio feito com um “Je T'aime Moi Non Plus”, do feioso francês Serge Gainsbourg, tocando no fundo do quarto de motel vagabundo.

Rapaz, bom gosto musical sempre deixa até o mais fortuito dos momentos agradáveis. Importante lembrar disso.

Imaginará a moça, consigo mesma: “que vagabundo adorável!”. Esse terá sido, acredite, apenas um pequeno deslize, daqueles sem tanta importância assim e que servem para deixar a vida mais emocionante. Será como um bolero, um “Besame Mucho”, um cha-cha-cha num caribe que só existe em seu cocuruto.

Claro que a moça pode compreender como um “eu te amo” mesmo, de verdade, verdadeira - com o perdão já solicitado pela redundância aos estudiosos da língua portuguesa, cujo idioma este escriba apenas arranha.

Mas, vem cá: que mal há em se declarar a alguém, em falar o que sente à amada? Vários amores, que viraram até casório e tudo o mais, começaram com um “eu te amo” bobo, que foram ditos nos momentos mais triviais.

Agora, você só não pode fazer coisas que desafiam a lógica, como ir falar essa frase às quatro horas da madrugada, após ter fechado o bar. Vai por mim, não dá certo! É saliva sendo atirada em vão. No dia seguinte ela ficará puta.

Só que um cara que tem uma coragem dessas, em tempos de modernidade líquida, de amores ficantes, de sentimentos guardados para si, de repressão do amor pelo fato de achá-lo careta, é uma atitude pra lá de louvável. É bom dizer, sem medo, “eu te amo”, e honrá-lo pelo menos enquanto vocês conversam sobre a queda do capital.

E se ela gostar, hmmmm, manda “eu te amo, messssmmmoooooooooooo”. Desse jeito, pra sangrar a porra da frase em duas colunas deste jornal.

Ademais, senhoras e senhores: vale muito mais um “eu te amo” cômico, que entra por um ouvido e sai pelo outro, do que a inércia total no amor de um homem que acha que essa frase é coisa de filme americano e novela da Globo.

Por um mundo com mais “eu te amo” e menos silêncio. Digo esta palavra pelo menos umas sete, oito vezes por dia. E veja bem: às vezes não dá em nada, mal há resposta da mina, mas em outras situações, ela retribui e tudo fica mais leve, mais fácil, mais tranquilo. Bora dizer “eu te amo” pra alguém hoje?

Marcus Vinícius Beck, jornalista e escritor. Autor do livro-reportagem ‘Diário Subversivo: dias de embriaguez, utopia e tesão’

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