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4 poemas de Adélia Prado em sua ótica do amor

Em seu estilo romântico crítico, - ligado ao modernismo- a escritora mineira Adélia Prado caracteriza o amor de maneira peculiar e sempre sob a ótica feminina. Mal de poeta é sentir demais, e Adélia não economiza versos quando se trata do amor. Seu primeiro livro foi publicado já aos 40 anos, e denominado "Bagagem", em 1976 foi apadrinhado por Carlos Drummond de Andrade, conquistando o afeto da crítica.

Após esse evento, Adélia permaneceu no mundo das letras, consolidando sua literatura e tornando-se uma das maiores poetas brasileiras na atualidade. Sua obra retrata o cotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico, uma das características de seu estilo único. A poeta recebeu o Prêmio Jabuti, na categoria Poesia, por “O Coração Disparado”, lançado em 1978.

De maneira pessoal, a poeta costuma dizer que o cotidiano é a própria condição da literatura. Ainda morando na pequena Divinópolis, sua prosa e em sua poesia trazem temas recorrentes da vida de província, a moça que arruma a cozinha, a missa, um certo cheiro do mato, vizinhos, a gente de lá. Adélia costuma colocar em relevância a perspectiva da mulher em seus poemas, colocando sempre o feminino em primeiro plano, ainda que em um viés erótico suave.

Leia 4 poemas de Adélia Prado:

Amor feinho

Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado, é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho.

Sedução

A poesia me pega com sua roda dentada,
me força a escutar imóvel
o seu discurso esdrúxulo.
Me abraça detrás do muro, levanta
a saia pra eu ver, amorosa e doida.
Acontece a má coisa, eu lhe digo,
também sou filho de Deus,
me deixa desesperar.
Ela responde passando
a língua quente em meu pescoço,
fala pau pra me acalmar,
fala pedra, geometria,
se descuida e fica meiga,
aproveito pra me safar.
Eu corro ela corre mais,
eu grito ela grita mais,
sete demônios mais forte.
Me pega a ponta do pé
e vem até na cabeça,
fazendo sulcos profundos.
É de ferro a roda dentada dela.

Antes do nome

Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o “de”, o “aliás”,
o “o”, o “porém” e o “que”, esta incompreensível
muleta que me apóia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infrequentíssimos,
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.

Bilhete Em Papel Rosa

Quantas loucuras fiz por teu amor, Antônio.
Vê estas olheiras dramáticas,
este poema roubado:
"o cinamomo floresce
em frente do teu postigo.
Cada flor murcha que desce,
morro de sonhar contigo."
Ó bardo, eu estou tão fraca
e teu cabelo é tão negro,
eu vivo tão perturbada,
pensando com tanta força
meu pensamento de amor,
que já nem sinto mais fome,
o sono fugiu de mim. Me dão mingaus,
caldos quentes, me dão prudentes conselhos,
eu quero é a ponta sedosa do teu bigode atrevido,
a tua boca de brasa, Antônio, as nossas vidas ligadas
Antônio lindo, meu bem,
ó meu amor adorado,
Antônio, Antônio.
Para sempre tua.

Leia também: Três poetas para conhecer a autoria feminina contemporânea

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