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Novo livro mostra lado jornalístico de Eça de Queiroz

Eça de Queiroz (1845-1990) foi um dos escritores responsáveis por introduzir na literatura em língua portuguesa o realismo. E é reconhecido mundialmente como um dos maiores cronistas de seu tempo, sempre retratando a classe média de Lisboa com personagens caricatos, como o Conselheiro Acácio e a Dona Felicidade, ambos do romance “O Primo Basílio”, de 1878. Com esse estilo ácido e sarcástico, o escritor instalou em Portugal novos padrões de arte e visão da sociedade.

O que poucos sabem, no entanto, é que Eça foi um colaborador assíduo de jornais lusitanos e ganhou destaque enquanto cronista. Valendo-se de seu conhecimento de diplomata, o português flertou com o jornalismo. Parte de sua produção em periódicos trata de assuntos relacionados às relações internacionais, com análises detalhadas e complexas sobre o contexto geopolítico do século XIX. Tendências intelectuais e artísticas que rolavam em Londres e Paris também fazem parte dos escritos de Eça.

Para que o lado jornalístico do português não caia no esquecimento, a editora paulistana Carambaia reuniu os artigos e as crônicas do romancista na obra “Ecos do Mundo”, cujo título fora inspirado na coluna “Ecos de Paris”. O livro, que já está disponível para venda no próprio site da editora, aborda o Brasil e o destaque vai para os textos que ele escrevia no jornal carioca Gazeta de Notícias, onde – entre os anos de 1880 e 1897 – aconteceu sua mais longa colaboração com o jornalismo.

Ao longo das nove crônicas, o leitor pode ver que Eça tinha simpatia pelo Brasil e, quando o País era comparado a Portugal, era taxativo: “Nós somos o germe, eles são o fruto: é como se a espiga se risse da semente. Pelo contrário! O brasileiro é bem mais respeitável, porque é completo, atingiu o seu pleno desenvolvimento; nós permanecemos rudimentares”, escreveu o romancista, na crônica “O Brasileiro”, sobre os portugueses que vêm morar no Brasil e depois retornam ao velho mundo.

Embora fosse simpatizante do País, Eça não poupou os brasileiros de sua mordaz ironia, e em vários trechos há críticas sutis a nós. Numa crônica, por exemplo, descreve a figura de Dom Pedro II em viagem pela Europa, sem saber se ele era imperador ou cientista, e sem deixar claro ao leitor qual era o papel do personagem em questão. Em outra passagem, o célebre escritor comenta o furor coletivo gerado por estudantes durante passagem da diva dos palcos Sarah Bernhardt pelo Rio de Janeiro.

Nas outras partes do livro de “Ecos do Mundo”, os artigos têm como pano de fundo diversos temas. Eça morou na Inglaterra, França, Itália, Turquia, China e Tailândia, e, é claro, os conflitos internos desses lugares estão em seus textos. Escreveu sobre alterações radicais no tabuleiro internacional, como a unificação da Itália e o desmoronamento do Império Otomano. “O mundo em que Eça de Queiroz escrevia era ao mesmo tempo muito diferente e muito parecido com o nosso”, diz Rodrigo Lacerda, na apresentação da seleção.

Eça foi autor dos romances “O Crime do Padre Amaro” e “Primo Basílio” - FOTO: REPRODUÇÃO

Vários temas

Se por um lado Eça passeia sobre temas espinhosos, como o fim de diversas monarquias e o contexto sócio-político da época, também se mostra entusiasmado com as novas forças que surgiam no mundo, tais como Estados Unidos e China. Também fala sobre a importância política da Revolução Francesa e relata os acontecimentos que dramatizaram a história da Alemanha no século XIX. Sempre com o alicerce da ironia fina que lhe consagrou como um dos maiores escritores da literatura portuguesa.

José Maria Eça de Queiroz nasceu em Póvoa do Varzim, cidade que fica ao norte de Portugal. Filho de pais que não eram casados, sempre teve uma visão profundamente crítica à classe média portuguesa, característica marcante à sua obra. Aos 16, ingressou na faculdade de direito de Coimbra e conheceu jovens literatos, como Antero Quental, e formou com eles um grupo que ficara conhecido como Geração 70. Em seguida, mudou-se para Lisboa e passou a trabalhar como jornalista.

Em folhetins e na poesia, Eça foi um adepto fiel ao romantismo, mas o retorno à capital portuguesa fez com que ele ingressasse em “O Cenáculo”, onde passou a ser influenciado pelo escritor Gustave Flaubert e pelo teórico anarquista Pierre-Joseph Proudhon. Nesta época, aderiu ao realismo e, em 1870, publicou o romance “O Mistério da Estrada de Sintra. Ao mesmo tempo, deu início à carreira diplomática e, dois anos depois, ocupou o posto de cônsul na cidade de Havana, em Cuba, país que havia se tornado independente da Espanha há pouco tempo.

No final da vida, com influências do movimento naturalista, Eça publicou o romance “O Crime do Padre Amaro”, em 1895. A obra gerou protestos em setores da igreja e o escritor brasileiro Machado de Assis disse que o romance era uma cópia de Flaubert. Eça, no entanto, respondeu: “Devo dizer que os críticos inteligentes que acusaram O Crime do Padre Amaro de ser apenas uma imitação da Faute de l’Abbé Mouret, não tinham, infelizmente, lido o romance maravilhoso do Sr. Zola, que foi, talvez, a origem de toda a sua glória. A semelhança casual dos dois títulos induziu-os em erro”

Na sequência, escreveu “O Primo Basílio” e teve recepção semelhante por parte da sociedade e da crítica da época. Eça, pai de quatro filhos, morreu em Paris, vítima de tuberculose. Ainda hoje, passados um século e 19 anos desde a sua morte, a obra de Eça permanece viva, e é um retrato – sobretudo – historiografia da época.

BOX

Ficha Técnica

“Ecos do Mundo”

Autor: Eça de Queiroz

Gênero: crônica

Editora: Carambaia

Preço: R$ 89,91

Diplomata, escritor também enveredou para o lado da crônica sobre relações internacionais - FOTO: REPRODUÇÃO

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