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Imagens revelam bastidores da Copa do Mundo de 58

“Observem agora o que o escrete fez por nós. Há pouco tempo o brasileiro tinha uma certa vergonha de ser brasileiro. Agora não. Agora acontece essa coisa espantosa”, escreveu o cronista carioca Nelson Rodrigues (1912-1980), após a primeira conquista da Copa do Mundo pela seleção canarinha, em 1958.

Profundamente reacionário e cronista esportivo de rara genialidade, Nelson escreveu numa época em que o futebol brasileiro havia se sagrado campeão do mundo na Suécia, com show de Garrincha e Pelé.

Antes disso, no entanto, a pátria de chuteiras vivia sob o complexo de vira-lata, na definição eterna do pai da tragédia carioca. Era assim o inconsciente coletivo do Brasil até a chegada da seleção à Suécia - que teve conexão na Itália - para disputar a Copa de 1958. E, como estamos careca de saber, o resto é brilho de Pelé e Garrincha.

Trilha sonora do futebol arte e esperança de uma sociedade melhor e moderna, as estações de rádio tocavam o LP “Canção do Amor Demais”, de Elizeth Cardoso, cuja primeira música apresentava ao público a batida revolucionária do violão de João Gilberto, em “Chega de Saudade”.

Era a bossa-nova. Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil de 1955 a 1960, preparava-se para mudar a capital do Rio de Janeiro a Brasília. E, na literatura, Carlos Drummond de Andrade descrevia o amor e o futebol poesia.

Pele em tratamento odontológico (FOTO: ANTONIO LUCIO)

Eis a aura daqueles tempos. E, tristemente, dessa delicadeza há poucos registros, mas uma iniciativa comprometida com a memória histórica chama a atenção. A jornalista paulistana Silvia Herrera iluminou o capítulo da primeira conquista canarinha, no ano passado.

Do baú do pai, o fotógrafo Antonio Lucio (1930-2000) - vencedor de dois prêmios Esso de Jornalismo e repórter fotográfico por muitos anos do Estadão -, ela publicou um lote de imagens inéditas daquela época.

Com prefácio assinado pelo jornalista Antero Greco, o livro “A Seleção Nunca Vista” mostra como o trabalho de Antonio Lucio conseguiu captar a fase inicial do treinamento da delegação da Confederação Brasileira de Desporto (CBD), antes de embarcar para a Europa.

A seleção passou por Poços de Caldas, Rio de Janeiro e São Paulo. Lucio foi um dos poucos – talvez o único – fotógrafo autorizado a acompanhar a estada de onze dias do escrete, em abril de 1958.

“Muito comum que tesouros de nossa história adormeçam durante décadas em escaninhos dos mais variados arquivos, sejam federais, estaduais, municipais, de universidades, de empresas ou, o que é frequente, de particulares”, escreveu Greco, em crônica publicada no jornal O Estado de São Paulo, em março de 2018.

“A sensibilidade e a curiosidade de Sílvia, além do respeito pela obra de Lúcio, a levaram a vasculhar as pilhas de negativos”, avalia o jornalista.

Jornais

Os jornais da época noticiaram que – para zelar pela saúde dos jogadores – foram feitas mais de 420 radiografias odontológicas. Contra o complexo de vira-lata, eram realizados exames psicotécnicos feitos pelo médico João Carvalhes e mimos como fliperama e serviços de manicure faziam parte da concentração.

As imagens impressionam ao fazermos um paralelo entre o futebol antes e hoje. Garrincha, Pelé e tantos outros não tinham toda esses aparatos tecnológicos de Cristiano Ronaldo e companhia.

Jogadores da Seleção canarinha fazendo exercícios físicos (FOTO: ANTONIO LUCIO)

Coisas que parecem serem tiradas de outro mundo hoje em dia são bastante comuns nas imagens de Antonio Lucio, como flexão no travessão. A geração que cresceu vendo os jogadores europeus desfilarem sua força física jamais poderiam imaginar que isso chegou a acontecer.

Além disso, quem poderia cogitar a ideia de que o craque Pelé, então um menino com 17 anos recém completados, tinha feito exames odontológicos antes de cruzar o Atlântico? Por isso as fotografias são geniais.

Sobre a Copa de 58, deixo com o escritor Eduardo Galeano: “Garrincha invadiu a área, deixou um beque sentado e se livrou de outro, e de outro. Quando já tinha enganado até o goleiro, descobriu que havia um jogador na linha do gol: Garrincha fez que sim, fez que não, fez de conta que chutava no ângulo e o pobre coitado bateu com o nariz na trave.

Então, o arqueiro tornou a incomodar. Garrincha meteu-lhe a bola entre as pernas e entrou no arco”, escreve, em “Futebol ao Sol e à Sombra”.

Garrincha contra alguma seleção na década de 1950 (FOTO: ANTONIO LUCIO)

Seleção em treinamento em Poço de Caldas (FOTO: ANTONIO LUCIO)

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