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O poder dos protestos

Protesto feminista a favor do aborto em Maio de 68 (FOTO: REPRODUÇÃO)

Na década de 60, o mundo vivia à base de rebeldia. Protestos contra a Guerra do Vietnã por conta da carnificina que acontecia no país asiático ganharam as ruas de várias cidades dos Estados Unidos. A Primavera de Praga, momento em que o presidente Alexander Dubcek dá início uma série de reformas políticas, sociais, econômicas e culturais, levou o cineasta Jean Luc Godard a filmar “Pravda”, em 1970. O Brasil também não ficara de fora do levante contra a repressão. Dois anos antes, o estudante secundarista Edson Luís foi assassinado com um tiro na cabeça pela Polícia Militar, provocando comoção nacional contra a Ditadura Militar.

Meses antes, do outro lado do atlântico, estudantes franceses ocuparam a Sorbonne, universidade mais tradicional do país e berço da intelectualidade ocidental. As barricadas estudantis logo se alastraram por toda a França e entraram para a História. Com o objetivo de representar duas gerações, de pais e filhos, a insurreição francesa, que lutava contra um ex-combatente da Segunda Guerra Mundial e integrante da resistência contra o nazismo, Charles De Gaulle, se espalhou pelo mundo. A fagulha que gerou a revolta foi uma onda de debates no meio universitário, que ganhou a simpatia dos filósofos Jean-Paul Sartre e Simone Beauvoir.

O movimento teve como bandeira uma série de reivindicações que tiveram início com demandas pontuais, como reformas na grade curricular, passando por pautas estruturais, tal como o final da Guerra do Vietnã e o fim do capitalismo. Com o lema “seja realista, queira o impossível”, o levante de Maio de 68 se alastrou do meio estudantil aos sindicatos e, logo em seguida, artistas e intelectuais do mundo todo aderiram à luta. A polícia, contudo, seguiu com modus operandi repressor. No dia 10 de maio, os acadêmicos resolveram enfrentar o braço armado do Estado de forma consciente. Conhecida como “Noite das Barricadas”, 251 policiais e 102 estudantes ficaram gravemente feridos.

Maio de 68

O sindicato de trabalhadores do setor privado anunciou greve geral em solidariedade aos estudantes. E a insurreição francesa começou a ganhar parcela importante da sociedade, ampliando demandas e ameaçando o governo do general De Gaulle. Cinco dias depois, trabalhadores do setor público também passaram a fazer parte da luta. Em seguida, os ecos provocados pelo movimento chegaram a atingir três membros do júri do Festival de Cannes (um dos mais importantes do mundo sobre cinema) renunciaram aos seus cargos.

Em 22 de maio, o número de trabalhadores paralisados na França atingiu a marca de 8 milhões. Oito dias depois, De Gaulle dissolveu o parlamento e anunciou que novas eleições iriam acontecer, saindo-se vencedor deles e, com isso, aumentando sua base parlamentar. O apoio ao general De Gaulle ficou conhecido como “maioria silenciosa”.

“Todos os anos têm 12 meses, todos os dias têm 24h, mas os dias, os meses e os anos não são iguais entre si. Há horas que valem por meses, dias que valem por anos, e meses que valem espaço por décadas, pela intensidade dos acontecimentos e suas consequências. Quando revoluções se colocam em movimento, a história se acelera, e tudo que parecia duvidoso se torna, subitamente, plausível”, escreveu o historiador Valerio Arcary, em artigo publicado na “Rede de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal”.

A onda de contestação geracional não foi exclusiva dos jovens franceses. Boa parte do mundo desde o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, criticava os padrões comportamentais estabelecidos. Para compreender de que forma o espírito daquele ano se espalhou pelo mundo, é preciso saber, de cara, que a maior parte dos estudantes e dos trabalhadores envolvidos nesses movimentos estavam conectados à ideia de construção de uma política de esquerda, que fosse baseada em algum tipo de socialismo utópico.

“O que as cabeças pensantes (de Maio de 1968) diziam era uma coletânea de ideias malucas de grupos de esquerda: revisionistas, socialistas, trotskistas, maoístas, anarquistas, surrealistas e marxistas. Eles eram anticomunistas tanto quando anticapitalistas. Alguns pareciam ser anti-industriais e até antirracionais”, afirmou ao Nexo o jornalista Peter Steinfeld que, em maio de 1968, era um dos estudantes envolvidos nos protestos no Quartier Latin, na capital francesa.

Do outro lado do Atlântico

A influência da insurreição francesa chegou do outro lado do Atlântico. Na América Latina, o movimento conectou-se com a luta dos estudantes e dos trabalhadores do México. Os jovens reivindicavam mudanças na condução política do país, que, desde o final da década de 1920, encontrava-se nas mãos do Partido Revolucionário Industrial (PRI).

Ecos dos protestos também puderam ser sentidos no Brasil. Desde 1964, quando os militares tomaram o Poder por meio de um golpe civil-militar, estudantes tiveram a liberdade de expressão cerceada. O movimento estudantil era perseguido e seus integrantes sujeitos a prisão, tortura ou morte. Em dezembro, os ditadores decretaram o Ato Institucional Número 5 (AI-5), responsável por suprimir direitos e garantias individuais. O Congresso Nacional e o Senado Federal foram fechados pela repressão e protestos de rua duramente reprimidos.

Manifestação durante a chamada Primavera de Praga, em 1968 (FOTO: REPRODUÇÃO)

Os anos 60 em quatro obras artísticas

O Teste do Refresco do Ácido Elétrico (1967) – De autoria do jornalista norte-americano Tom Wolfe, o livro-reportagem narra as transformações pelas quais a sociedade do Tio Sam passara na década de 1960. Wolfe, numa das passagens mais interessantes da obra, ingere LSD para compreender o espírito do momento.

Os Sonhadores (2003) - Dirigido pelo cineasta Bernardo Bertolucci, “Os Sonhadores” tem como pano de fundo as revoltas que aconteceram em Maio de 68. O longa foi estrelado pela atriz Eva Green (Isabelle), Louis Garrel (Theo) e Michael Pitt (Matthew). A trilha sonora conta com músicas de The Doors, Jimi Hendrix, Bob Dylan, entre outros artistas.

Pravda (1969) – Rodado clandestinamente na Tchecoslováquia, após as manifestações da Primavera de Praga e a invasão russa, o documentário, dirigido por Godard, conta com imagens do cotidiano dos tchecos. O longa crítica ainda a prática documental que ficou conhecida por meio do cineasta russo Dziga Vertov.

Amantes Constantes (2005) - Drama romântico dirigido por Philippe Garrel, o filme mostra a vida de um grupo de pessoas durante os protestos de maio de 68 e a vida deles um ano depois do levante. Foi premiado no Festival de Cinema de Veneza.

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