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Jornalismo fora da lei

Foto: Reprodução

No livro de ensaios “A Grande Caçada aos Tubarões: Histórias Estranhas de um Tempo Estranho”, o jornalista e escritor norte-americano Hunter S. Thompson provoca zombeteiramente o jornalismo tradicional ao se referir ao Gonzo (estilo de reportagem que ele foi um dos criadores) como um grande fracasso. Ele levou a frase do romancista William Faulkner – “que a pior ficção é mais verdadeira do que qualquer tipo de jornalismo” -  às últimas consequências.

Morto aos 68 anos, no dia 18 de fevereiro de 2005, na cidade de Aspen, no Colorado, Thompson foi a principal figura do Jornalismo Gonzo, uma forma de narrativa mais radical que aquela adotada pelo grupo de escritores que faziam parte do New Journalism. O jornalista gonzo conseguiu descrever o caos e as brutais mudanças comportamentais, culturais e sociais nos Estados Unidos na década de 1960: guerra, rock, drogas, sexualidade, hippies e Nixon.

A galera do Novo Jornalismo ganhou notoriedade ao trazer para a reportagem elementos da escrita ficcional consagrados pelo realismo francês de Honoré de Balzac, no século XIX. Thompson, no entanto, decidiu ir além. Revolucionou o jornalismo da época com artigos irônicos, sarcásticos e furiosos publicados na revista Rolling Stone e Esquire, porta-vozes da chamada contracultura, que estava a pleno vapor à época.

Nascido na cidade de Louisville, em 18 de julho de 1937 (biógrafos, contudo, dizem que talvez ele teria nascido em 1939), Thompson apresentou desde cedo discordância com qualquer norma. Na adolescência, ele e alguns amigos decidiram vingar-se do novo motorista de ônibus que fazia a rota da região em que moravam. Anos depois, foi parar no exército dos EUA e, após algum tempo executando tarefas que julgava serem inúteis, teve contato com o jornalismo.

Foi no início da década de 1960, quando Thompson morou em San Juan, capital de Porto Rico, que o estilo Gonzo começou a surgir. Ele trabalhava em uma revista chamada El Sportivo, porém a publicação durou pouco tempo. Da experiência, escreveu o romance semi-autobiográfico “Rum: Diário de um Jornalista Bêbado”, lançado no final da década de 1990. Em seguida, trabalhou como correspondente na América Latina e acompanhou o clima pré-golpe militar no Brasil, em 1964.

Gonzo

Em 1967, o jornalista publicou o livro-reportagem “Hell´s Angels”, obra que teve como método de apuração uma pesquisa participativa – Thompson chegou a conviver com integrantes do grupo de motoqueiros. O texto mostra como se comportavam e quais eram as crenças do pessoal que fazia parte da gangue. Em trecho da obra, ele disse que chegou a ter um dilema: se era apenas um repórter apurando uma história, ou se teria virado um integrante dos Hell's Angels.

“Hunter Thompson tornou-se ícone da contracultura norte-americana. E o Gonzo Journalism espalhou-se por inúmeras revistas: Playboy, Rolling Stone, San Francisco Chronicle, Esquire, Vanity Fair, etc”, escreveu o professor de jornalismo, Felipe Pena, no livro “Jornalismo Literário”. “Hunter defendia a noção de que era preciso provocar o entrevistado para que a reportagem rendesse. Ele recomendava que o jornalista respirasse fundo, e em seguida xingasse o interlocutor”.

Três anos depois, o jornalista gonzo foi designado a cobrir um festival em Kentucky. Thompson, então, mergulhou numa análise antropológica sobre a sociedade local e seus hábitos. Denominado de “O Derby de Kentucky é Degenerado e Depravado”, a reportagem tecia críticas à sociedade norte-americana, que, na época, estava concentrada na Guerra do Vietnã - conflito durou 20 anos e levou milhares de pessoas à morte. “Ele era incansável”, disse o ilustrador Ralph Steadman à revista Piauí.

Foi com o livro “Medo e Delírio em Las Vegas”, lançado em 1971, que Thompson colocou seu nome na história do jornalismo. Principal obra do estilo Gonzo, o texto seguia os ensinamentos do pessoal do Novo Jornalismo, mas tinha um componente que o diferia: inseriu aquilo que Tom Wolfe, papa do jornalismo literário da década de 1960, deixara de fora em suas reportagens. Era um jornalismo que bebia na fonte do romance “O Grande Gatsby”, do escritor americano Scott Fitzgerald.

Em certo sentido, a obra de Hunter S. Thompson permanece atual na América divida de Donald Trump. Crítico mordaz de Richard Nixon (cujo escândalo Watergate, que levou à renúncia do republicano, foi apurado por Thompson, em Washington) e dos Bush (pai e filho), ninguém conseguir evocar o lado surreal da sociedade norte-americana tão bem quanto o pai do Jornalismo Gonzo. Portanto, o legado dele repousa sobre feridas ainda abertas no seio social americano e, visto com lupa porra-louca, merece ser lido e relido.

O essencial para compreender a obra de Hunter S. Thompson

Hell´s Angels (1967) - Considerado o primeiro livro genuinamente Gonzo, Thompson conviveu por anos com os integrantes da gangue homônima. Em dado momento do livro-reportagem, chegou a questionar se ele era jornalista, ou tinha se tornado um ‘fora da lei’.

Medo e Delírio em Las Vegas (1971) – Obra que consolidou o chamado Jornalismo Gonzo. Ao contrário da turma do Novo Jornalismo, Thompson incluiu neste clássico aquilo que o jornalista e escritor Tom Wolfe deixou de fora. Durante toda a história é possível gargalhar com as tiradas sarcásticas e irônicas do autor.

Rum: Diário de um Jornalista Bêbado (1997) - Única obra de ficção na carreira do jornalista. O romance é ambientado em San Juan, Porto Rico, e retrata um grupo de jornalistas que enfrenta diversos tipos de problemas, como crise financeira. Texto bebe na fonte do escritor Ernest Hemingway.

O Reino do Medo (2004) – Lançada no Brasil pela Companhia das Letras, a autobiografia de Thompson conta com passagens, no mínimo, hilárias de sua vida. A narrativa tem a identidade que o consagrou e fala sobre a perseguição que o jornalista gonzo sofreu por conta de seu estilo de vida.

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