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Há 60 anos William Burroughs chacoalhava a literatura com ‘Almoço Nu’

Durante boa parte da vida, escritor foi considerado ‘obsceno’, ‘drogado’ e ‘depravado’ (FOTO: REPRODUÇÃO)

Marcus Vinícius Beck

William Burroughs, romancista norte-americano ícone da Geração Beat, viveu boa parte dos seus 83 anos à margem da lei. Oito anos mais velho que as principais figuras do movimento, como os escritores Jack Kerouac, Allen Ginsberg e Neal Cassady, Burroughs foi responsável por trazer à literatura americana do pós-guerra o método cup-up, técnica de recorte utilizada pelos escritores surrealistas. Ele defendia que a reorganização da linguagem romperia com o aspecto ideológico das palavras.

Morto aos 83, no dia 2 de agosto de 1997, em Lawrence, nos Estados Unidos, Burroughs foi autor dos romances “Junky”, em 1954, e “Almoço Nu”, de 1959. Nesta década, empolgou-se com a energia de Ginsberg e Kerouac. Chegou a apresentar aos dois obras de Franz Kafka, William Blake, Yeats, entre outros, virando mentor intelectual dos jovens escritores que já chacoalhavam as estruturas do romance americano com textos coloquiais, críticos ao consumismo e ácidos em relação ao capitalismo vigente na época.

Foi na década de 1950, no entanto, que Burroughs se tornou um beat. Lançado no Brasil pela Companhia das Letras, em 2016, “Almoço Nu” traz um anexo com fragmentos que foram abandonados pelo autor, cheio de rupturas narrativas e divagações. Acusado de incentivar o consumo de drogas, de promover a cultura gay numa época em que a sociedade americana estava preocupada com guerras e de ser obsceno, o romance chegou a ser visto como repugnante, ilegível e indecente.

Tanto que a obra foi apreendida por autoridades norte-americanas ao interceptarem trechos do livro em fanzine publicado por um editor censurado. “Almoço Nu” chegou a ser vetado por tribunais e enfrentou resistência em ser publicado no mundo – o episódio, que também atingiu a obra “A Crucificação Encarnada”, de Henry Miller, chegou a ser documentado pelo jornalista Gay Talese, no livro-reportagem “A Mulher do Próximo”. Burroughs antecipou o cenário e o sentimento que tomaria conta da sociedade americana na década de 1960

Não é à toa o rótulo de maldito em torno do livro. Consumo de drogas e sexo livre são algumas das características comumente abordadas pela historiografia ao se referir a geração sessentista. Uma verve contracultural dividiu o planeta durante a Guerra do Vietnã e Burroughs teve essa leitura, por isso “Almoço Nu” é algo bem mais relevante do que um mero livro libertário com sexo gay, uso de drogas e rituais profanos, entre outras coisas que deixaram os mais conservadores estarrecidos.

“Almoço Nu” relata a história não linear de William Lee, um viciado que resolve perambular pelo submundo dos Estados Unidos e de Tânger, no Marrocos. Com pegada essencialmente autobiográfica, o romance foi escrito enquanto o próprio Burroughs vivia no país do norte da África, onde ficara usando drogas por anos. Certa vez, ele chegou a revelar que permaneceu um ano sem tomar banho. No final dos 60, o escritor ganhou simpatia dos Beatles e dos Rolling Stones. Mick Jagger, inclusive, disse que estrelaria adaptação do livro ao cinema.

Junkie

Burroughs ganhou fama de junkie quando começou a circular no submundo de Nova Iorque, na década de 1950. O escritor trabalhou como traficante nesse período. Na sequência, mudou-se com a esposa para o Texas, onde fez uma plantação ‘experimental’ de maconha. Com a polícia na cola, Burroughs partiu para Nova Orleans e, um ano depois, foi viver na Cidade do México. Ele veio para a Amazônia atrás de ayahuasca, conforme mostra o livro “Carta do Yage”, obra que reúne cartas de Burroughs ao poeta Allen Ginsberg.

Após livrar-se do vício, o escritor participou de todo tipo de experimentação artística. Nos 60, ele teve amizade com o poeta e pintor inglês Brion Gysin, com quem desenvolveu a técnica dos cut-ups – um procedimento atrás do qual há uma série de sentimentos simultâneos, montando-os de forma a criar imagens mais próximas possível sobre a percepção humana, unindo sonhos, visões, sons e pensamentos.

A participação de Burroughs na literatura beat abrange sua própria produção. À revista Cult, o tradutor e estudioso da Geração Beat, Claudio Willer, disse que Burroughs chegou a fazer sessões de psicanálise com Ginsberg. “Recebeu os beats em seu refúgio em New Waverly e Algiers, na Cidade do México e em Tanger”, conta o tradutor.

Nascido em St Louis, no dia 5 de fevereiro de 1914, William Burroughs terminou o ensino médio na cidade natal e, em seguida, cursou artes na Universidade de Harvard. Uma vez formado, bateu perna pela Europa em plena Segunda Guerra Mundial, conhecendo uma Ilse Klapper (judia que fugia do regime nazista). Fã de armas, matou acidentalmente sua mulher com um tiro na testa, em 1953.

BOX

Ficha Técnica

Almoço Nu

Editora: Companhia das Letras

Gênero: Romance/ Geração Beat

Autor: William Burroughs

Preço: R$ 54,90

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