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Elke, maravilhosa

Elke Georgievna Grunnupp nasceu na Rússia e mudou-se para o Brasil, mais precisamente para Itabira, interior de Minas Gerais, ainda com seis anos de idade. Elke e sua família se refugiaram no País, fugindo da perseguição de Stalin. A jovem Elke sempre demonstrara ser uma mulher à frente de seu tempo, seu estilo irreverente chamava a atenção e a mesma chegou a ser agredida nas ruas por sua postura.

Na década de 1970, durante o regime militar no Brasil, Elke Maravilha esteve presa por seis dias, acusada de atrapalhar as buscas da polícia por um preso político. Elke estava no Aeroporto Santos Dumont, em 1972, quando se deparou com um cartaz que anunciava a procura por Stuart Angel, filho da estilista Zuzu Angel, grande amiga de Elke. A modelo, indignada, rasgou o cartaz, sendo presa em seguida. Nesta época, já era sabido que Stuart Angel havia sido assassinado pelo Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica em 1971. O corpo do militante nunca fora encontrado, e a cidadania brasileira de Elke Grunnupp esteve cassada durante o regime militar.

Em entrevista ao site Terra, Elke, que se declarava abertamente como anarquista, comentou sobre sua prisão. “Fiquei seis dias presa e tomei tapa na cara, mas sou como galo: não recuo, não. Fui para o interrogatório com a cara pintada de verde e com batom vermelho todo borrado, enfrentei. Fiquei presa com uma contrabandista e duas reféns. Uma de 12 e outra de 15 anos, que estavam lá havia quase seis meses, usadas pela polícia para atrair o pai delas. Tudo muito desumano. Tive que mentir que conhecia o filho da Zuzu, porque senão não teria como explicar aquela minha atitude. Saí porque a Zuzu arranjou o delegado que me tirou de lá”. Indagada se a experiência havia lhe deixado algum trauma, a artista relembrou dos seis anos em que seu pai esteve preso na Sibéria. “Se meu pai passou seis anos na Sibéria e não ficou traumatizado, foi torturado e fazia chacota... Imagina se eu ia ter problemas por causa de seis diazinhos no Dops!”.

Neste mesmo período, Elke Maravilha se apresentava em bares e hotéis no Estado do Rio de Janeiro, onde cantava músicas de protesto em russo, sendo esta a única maneira encontrada pela artista para desafogar toda sua indignação contra os anos de chumbo. Aos 24 anos, ela inicia carreira como modelo, tendo desfilado para grandes grifes, incluindo a de sua amiga Zuzu Angel. Em 2006, a história da estilista foi retratada no cinema, tendo no elenco Patrícia Pillar interpretando Zuzu Angel e Luana Piovani no papel de Elke Maravilha, que também fez participação no longa-metragem, interpretado a si mesma, na época em que se apresentava em bares.

Filha de um pai russo e mãe alemã, já na adolescência, Elke falava nove idiomas (russo, português, alemão, italiano, espanhol, francês, inglês, grego e latim). Alguns destes idiomas foram aprendidos em casa, em decorrência de suas raízes germânicas, e outros, a própria artista afirma ter aprendido em cursos, pagos com dificuldade pelos pais, que levavam uma vida humilde, na zona rural. Aos vinte anos mudou-se sozinha para o Rio de Janeiro, onde cursou faculdade de Letras, e trabalhava como bancária e intérprete para pagar o aluguel. Formada, tornou-se a mais jovem professora de francês da Aliança Francesa, e de inglês na União Cultural Brasil. Em 1969 mudou-se para Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde frequentou os cursos de Medicina e Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Em 1971 casou-se pela primeira vez com o escritor grego Alexandros Evremidis. Teve outros sete casamentos, sendo que o menos duradouro foi um período de dois meses. Em entrevista à apresentadora e jornalista Marília Gabriela, em 2013, Elke revelou que este casamentou havia durado tão pouco por considerar que seu parceiro fosse um psicopata. “Acordava no meio da noite e ele estava sentado no sofá, vestido de Elke, com uma faca na mão”, relembrou a artista.

Numa participação no Programa Raul Gil, no SBT, Elke, que nunca teve filhos, afirmou já ter realizado aborto, e que não se sentia capaz de educar outro ser humano. Nas suas palavras, ela considerava que criaria um monstro. Mas, por ocasião de sua morte, nesta terça-feira, sua sobrinha Natasha Grunnupp demonstrou, em entrevista ao site UOL, imenso carinho pela tia. "As gargalhadas dela... Vai fazer uma falta enorme. Ela era a mãe de todos, de todas as raças, de todas as culturas, vai fazer falta mesmo. A gente deseja também que ela consiga seguir o caminho dela, ela falava que ela já estava preparada e pronta, que seja uma passagem feliz".

Elke estreou na televisão através do programa de auditório de Chacrinha, onde trabalhou por quatorze anos. Também fez parte do corpo de jurados dos quadros de calouros nos programas de Silvio Santos, além de ter estreado seu próprio programa, o Programa da Elke, em 1993. Com formação em teatro, estrelou diversas peças e longas-metragens, em alguns deles interpretando a si mesma. Um dos mais memoráveis filmes da carreira de Elke foi em Pixote, do também recém-falecido cineasta Hector Babenco. Estrelou também o clipe “Se Deus Não Quisesse”, da banda Velhas Virgens, a maior banda independente do País. Em seu facebook, Paulo de Carvalho, vocalista da banda, lamentou a perda da parceira. “Perdemos a queridíssima Elke Maravilha. Ela gravou este clipe com a gente, bebeu junto e ficou feliz dizendo que a bebida, nesta gravação, era de verdade. Fique em paz moça iluminada.”

Elke Maravilha estava internada há cerca de um mês na Casa de Saúde Pinheiro Machado, no Bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, tratando de uma úlcera. Diabética, ela teve complicações pós-operatórias e, devido a um dos pontos de uma cirurgia anterior ter se rompido, fora submetida a uma nova operação. O irmão da atriz, Frederico Grunnupp, disse que a irmã já não respondia mais ao tratamento. O facebook pessoal de Elke Maravilha publicou uma pequena nota avisando os fãs da morte da artista. O SBT também divulgou nota, onde lamenta a morte de Elke e comenta sua participação no filme “Carrossel 2, O Sumiço de Maria Joaquina”, que está em exibição nos cinemas.

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