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CULTURA

Na beira do Cerrado e a estação seca

Não é preciso ensinar ao Cerrado a se comportar na estação seca. Ela aprende com as árvores a sobreviver sem água. E reage com sabedoria para continuar a evoluir. Assim como interage o Cerrado, o homem deveria aprender com as experiências passadas e viver mais e melhor. Veja o exemplo do ipê que – intuitivo – perde as folhas antes de florir. Entra num período de dormência e, na reflexão apreendida da ancestral era, encontra a energia imprescindível. Na iminência da morte, explode em flores coloridas. Revive para iluminar o cerrado. A floração dos ipês é a celebração da vida.

As outras plantas aprendem a lição que se repete há milhões de anos; miríades de flores brotam para anunciar a próxima estação que promete chuva.

O Cerrado tem juízo. Por essa causa sobrevive. As folhas caídas no chão servem de adubo ao renovo. Enquanto isso o ser humano sucumbe no egoísmo explícito das redes sociais. Este ciclo de Twitter, Faceboook, WhatsApp deve ser escola para aprimorar a convivência com o outro. Assim aprenderemos a sermos iguais; quem sabe, livre para aceitar crenças e convicções diferentes.

Em agosto a natureza tem o olhar raso. De repente, até meus gestos e olhares refletem a sequidão do fim do inverno com jeito de primavera. As árvores se escoram na cacunda do tempo e cumprem a missão aprendida com os anos, sem um capitão a dar ordens. O homem, ao contrário, precisa de comando e freio. Essa é outra história.

A pouca umidade do ar faz a mente variar.

Nessa época minha pele fica desidratada e mais enrugada. Pode ser o clima ou o outoniço. Outro dia vi fotos antigas junto com meus irmãos Maurício e Sinésio. Penso que fui bonito quando moço; acho que todos os jovens são bonitos. Meus netos são lindos! Aqui eu lembro Monteiro Lobato me dizendo: “Boniteza outoniça, adeus!” Sei que estou velho e, a cada dia, mais ranheta. Encaro com humor essa fase.

Incomoda-me nos dias de hoje as mensagens que procuram simplificar coisas que considero difíceis. Como podemos ensinar o outro a molhar a alma no amor e na solidariedade sem o Divino Mestre? Cristo é a saída para a floração da vida. Creio assim. E dessa forma encontro a força necessária. Difícil é ensinar ao Cerrado como se comportar na seca. Como eu disse no começo dessa crônica, nem é necessário.

Alí, no Vale de Quimeras, para onde vou aos fins de semana com a amada, é o lugar em que recebo os amigos. Lá plantamos centenas de ipês, de todas as cores. Vi que as árvores plantadas perto do brejo não tinham vontade de viver; folhas amareladas, murchas, precisavam de um choque do ambiente para retomar a vida. Talvez elas pensassem que a água nas suas raízes fosse eterna. No íntimo talvez uma insuperável crise de identidade.

“Sou um ipê ou uma pororoca?

Em agosto veio a seca. Os ipês perderam algumas folhas. Sete dias depois, na guia do ipê, um pontinho indicava que brotaria. Novos e verdes brotos apareceram. Ainda não florescem; são pequenos.

Também sou insignificante diante da imensidão do cosmo. Preciso aprender muito para encontrar a chave do céu. Se um dia a encontrar será tarde.

Vivo o meu tempo com a atenção ao que se passa à volta.

Minha cultura é o que vejo e sinto na beirada do horizonte.

(Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, www.raizesjornalismocultural.net, PUC TV, sábado, 12h30. Reprise, domingo, 23h. Escreve aos sábados no DMRevista)

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