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Colégios da Polícia Militar excluem os alunos mais pobres

“Eu ganho 01 salário mínimo e tenho três filhos nesta escola. Se o colégio for militarizado, aonde os meus filhos vão estudar?”.

Não sei as palavras exatas. Não estava lá. Mas, foi assim que uma amiga me descreveu a pergunta dolorosa feita por uma mãe de alunos do Colégio Estadual Waldemar Mundim (Colégio localizado na Vila Itatiaia, de Goiânia, que passou desde terça-feira (04-08) a ser administrado pela Polícia Militar).

Um professor desta escola, o professor Marcelo Souza, bastante preocupado com a expulsão em massa das famílias mais pobres, resolveu investigar como é a situação sócio econômica dos alunos que estudam em colégios da polícia militar.

Não existem muitas pesquisas a respeito, mas é possível traçar algumas considerações com base em dados coletados e disponibilizados pelo INEP. Trata-se do INSE (Índice Sócio Econômico Escolar), que é medido a partir de questionários contextuais aplicados a alunos durante o ENEM.

Segundo estes dados, em 2013, a maioria esmagadora das escolas de Goiânia apresentava  índice socioeconômico escolar MÉDIO, enquanto todos os 06 colégios militares do estado de Goiás que participaram do ENEM da época apresentavam índices MÉDIO ALTO ou ALTO (o caso do COLEGIO DA POLICIA MILITAR DE GOIAS UNIDADE CARLOS CUNHA FILHO, da cidade de Rio Verde).

Fica mais fácil compreender o que isso significa, se compararmos a maioria das escolas estaduais de Goiânia com as escolas militares. Veremos que a porcentagem de alunos cuja renda familiar é entre 5 e7 salários mínimos aumenta em mais de 100%. De 6% na maioria das escolas estaduais para 14% nas escolas militares.

Há também uma diminuição em mais de 100% dos alunos cujas famílias possuem renda de até 1 salário mínimo. O número de alunos nesta condição é praticamente insignificante: 5% nestes colégios militares contra 16% nas demais escolas.

A propósito, qual é a porcentagem de alunos cujas famílias ganham menos de 01 salário mínimo? Nos colégios militares, 0%. Pode não parecer tão grave, pois na maioria das outras escolas estaduais o índice é de 1%.

Porém, se traduzirmos isso em números absolutos, com todo o risco que isso possui, estaríamos dizendo que dos 1607 alunos dos 06 colégios militares de Goiás que prestaram Enem em 2013, nenhum aluno afirmou ter família com renda menor que 01 salário mínimo.

Com a publicação, ontem, dos dados do ENEM 2014, a situação de exclusão das famílias mais pobres ficou ainda mais evidente. Dos 05 Colégios Militares que apresentavam, em 2013, o índice sócio econômico Médio Alto, 04 subiram este índice para Alto, se igualando ao Colégio da Polícia Militar Carlos Cunha Filho, da cidade de Rio Verde.

Isso quer dizer que, de um ano para o outro, ocorreu nestes colégios da polícia militar um aumento de mais de 100% no índice de alunos oriundos de famílias que ganham entre 05 e 07 salários mínimos (De 14%, em 2013, para 29%, em 2014) e um aumento ainda maior, em termos percentuais, no índice de famílias de renda maior de 07 salários mínimos (De 2%, em 2013, para 5%, em 2014). Isso sem falar na redução do índice de famílias que ganham até 2 salários mínimos.

No estado inteiro, somente 06 colégios estaduais apresentam índice sócio-econômico ALTO. 05 deles são colégios da polícia militar.

A situação de militarização do Colégio Waldemar Mundim é, deste modo, bastante preocupante. Mais ainda se pensarmos que, na região, o outro único colégio público que atende a comunidade (no ensino médio) apresentou, na mesma pesquisa, também índice sócio econômico escolar ALTO. Trata-se do CEPAE (Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação) da UFG.

Aqui, a crítica também deve ser feita à UFG e ao modo pelo qual seu colégio termina por excluir uma grande parte da comunidade mais necessitada da região em que atua. Mas, isso, longe de diminuir, faz ecoar de modo ainda mais forte a pergunta entoada de modo doloroso pela senhora mãe naquela reunião: “Se o Colégio Waldemar Mundim for militarizado, aonde os meus filhos vão estudar?”.


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(Rafael Saddi, professor e doutor em História pela UFG.)

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