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Há cinco anos, deixava-nos José Saramago

Ian Caetano, Especial para Diário da Manhã

Há exatos cinco anos, perdemos um dos maiores nomes da Literatura em língua portuguesa. Há cinco anos, expirava José Saramago. Vítima de leucemia crônica, deixou obras inacabadas e também legiões de fãs.

Único Nobel de Literatura da língua portuguesa, José Saramago é um autor que se destaca em diversos aspectos: pelo ingresso tardio como escritor “profissional” (no sentido de viver desta atividade, já estava quase aos cinquenta quando começou a prospectar esta carreira; tendo trabalhado antes como mecânico de automóveis, desenhista, jornalista e arriscou-se também em algumas traduções); pela produtividade (publicara seu primeiro livro ainda jovem, entre este e o segundo houve um hiato de vinte anos e, a partir daí, dentre romances, livros de poesia, crônicas, teatro e diários, publicou praticamente um por ano até o fim da vida) e, dentre diversas outras coisas, é aclamado por seu estilo, bastante próprio, de escrita. Mas não deixemo-nos crer que isto faz deste um autor de livros mornos, de best-sellers pouco elaborados em termos de conteúdo.

Comunista e ateu convicto, teve inúmeros problemas com o governo de sua própria terra – o que culminou em seu autoimposto exílio nas ilhas canárias, da Espanha – e também com a Igreja Católica e com os judeus e com mais um sem fim de gente, mas não podia ser chamado um provocador, tão somente um homem de opinião forte e de ativa participação política. Apesar de vida juvenil penosa, como já reiterara em várias entrevistas quando perguntado, não era dado ao miseribilismo. É, inclusive, grande ironia que o único Nobel em língua portuguesa tenha tido tamanho acirro com seu país quando da tentativa de colocar sua obra para a disputa deste (o Evangelho Segundo Jesus Cristo).

José Saramago é um dos poucos autores que merecem a alcunha de “clássicos contemporâneos”. Obras como Ensaio Sobre a Cegueira e O Evangelho Segundo Jesus Cristo são obras referenciais na história recente da Literatura.

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Saramago começara sua inusitada carreira literária com um livro chamado Terra do Pecado, ainda um livro sem a marca estético-literária que mais tarde o consagraria. Sequer gostava do título. Por ele, como conta, chamar-se-ia o livro A Viuvinha, mas a editora achava o título pouco apelativo comercialmente.

Depois desta obra publicada, o autor tenta a publicação de uma segunda, chamada Claraboia, obra que fora esquecida nos arquivos da editora, provocando tal indignação no autor que esta só veio a ser publicada postumamente (um livro genial, inclusive).

Depois de um hiato de vinte anos da sua primeira publicação, fora alguns contos, crônicas e poesias, Saramago brinda-nos com seu Levantado do Chão, obra que o populariza em Portugal para, depois, ganhar o mundo.

Alguns anos depois, com a publicação de O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Saramago entra em acirrados atritos com seu país e exila-se nas ilhas canárias, de domínio espanhol, onde vive até o fim da vida.

Em sua vida literária Saramago conquistou admiradores vários e outros tantos que o odeiam. Crítico ferrenho da religião, também ferrenho crítico das relações sociais capitalistas, era um sujeito que, embora cético, encantava com sua prosa literária. “Certa vez, chegou-me um leitor no aeroporto a dizer ‘é que seu livro mudou-me a vida’, e eu, naturalmente, perguntei-lhe: ‘e como é que meu livro mudou-lhe a vida’; e ele não me sabia responder...”.

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O autor que, formado mecânico de automóveis, nunca se valeu de sua “origem desprivilegiada”, bem como nunca a renegou. O homem que, neto de avós criadores de porcos, ambos analfabetos (assim como sua mãe), quando do recebimento do Nobel assim proferiu: “o homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia escrever uma só palavra”. Este mesmo que, quando perguntado como era possível não acreditar em deus respondeu: “olhando o mundo a sua volta, como é possível acreditar nele?”. Este ainda que, quando perguntado, ainda em 2009, sobre a atuação do governo em nosso país, governo este dito de esquerda, respondeu: “esperava mais, esperava mais e esperava melhor”.

A contribuição à Literatura (e política) legada por Saramago, inegável, é, por certo, uma das mais destacadas em idioma lusíada. A alegoria dos cegos em Ensaio Sobre a Cegueira; a alegoria do trabalho e do estranhamento em A Caverna; a crítica religiosa em Evangelho Segundo Jesus Cristo e Caim; a crítica política em Ensaio Sobre a Lucidez; a questão da identidade em O Homem Duplicado; a sensibilidade humana em A Viagem do Elefante... são tantas as obras que valeriam colunas diárias durante anos infindáveis e não caberia a complexidade literária deste autor que, ainda me lembro, com tanto pesar recebi a notícia de sua morte em 2010; contava ainda os quinze anos de idade quando tal fato me ocorreu. Carecemos de mais autores como este, quiséramos nós tê-los em maior número.



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