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Magra de Ruim: cores, crises, dores e amores

Por autodefinição, a arte aqui representada tem indicação “mais ou menos adulta”. Fiquem atentos, caros leitores. Os quadrinhos bem desenhados, com traços simples e o fundo colorido de tons pastéis retratam grande parte das angústias modernas. Foi sem grandes rodeios, em uma poesia dura e direta, que a moça Sirlanney, cearense com apenas 31 anos, forjou uma personagem com tendências depressivas, mas que cativa diariamente milhares de pessoas.

Nascida no interior do Ceará, em uma cidadezinha de nome Morada Nova, Sy (como assina algumas obras) trata, a partir de uma perspectiva feminista, os dramas e conflitos cotidianos. Em quadrinhos não lineares, poucas palavras e muita aquarela, Sirlanney, que atualmente mora no Rio de Janeiro, viajou o País inteiro pelas redes sociais.

“Como assim você espionou minha vida pra fazer uma tirinha? haha perfeito” – comentários como esse são comuns nas postagens da page Magra de Ruim, no Facebook, que hoje conta com quase 100 mil curtidas. A universalidade das situações, pensamentos e, principalmente, reações diante das peripécias da existência urbana faz com que homens e mulheres de todas as idades se identifiquem e compartilhem esses momentos ilustrados.



Aquela sensação de “eu pensei exatamente isso” invade seu coração e facilmente você passaria horas descendo a barra de rolagem e explorando o vasto material, que é produzido e publicado em um Tumblr desde 2011. O trabalho delicado, às vezes causa certo incômodo por conter, como um tapa na cara, algumas verdades que todos insistem em afogar.

Em síntese o trabalho da Magra de Ruim é atual, intenso e constante, indicado para se seguir dia a dia, pois é possível identificar (talvez seja a intenção da autora) as fases sentimentais que todos nós podemos vir a passar, através das tirinhas. É sexual, sensual, empoderador, o que faz com que grande parte do público (a maioria) seja composto por meninas e mulheres, que certamente se inspiram em vários contextos expressados nas ilustrações.

Magra de Ruim, além do universo virtual, também vai sair em uma versão impressa. O livro contará com cerca de 150 páginas coloridas, reunindo os melhores desenhos e tirinhas publicadas no blog (sirlanney.tumblr.com).

A publicação contará com histórias inéditas, além do zine erótico “Sdds”. Sobre produção, inspirações e outras especulações da vida, conversamos com a autora Sirlanney a cerca de arte e outros devaneios.



A ENTREVISTA

DMRevista — Como e quando você começou a desenhar?

Sy — Comecei a desenhar quando criança, acho que isso acontece com todo mundo. Mas, como acontece com os que demonstram aptidão, eu não parei de desenhar quando cresci. A medida que fui crescendo meu desenho foi amadurecendo. Copiava as imagens dos livros da escola, revistinha da Turma da Mônica, Disney, tudo que aparecia na mão. Só quando cursei a primeira faculdade, Design de Moda, adicionei técnica ao desenho. Depois, na faculdade de Artes Plásticas aprofundei o estudo das imagens e da expressão, e várias técnicas de pintura, de desenho etc.

DMRevista — Você tem alguma referência ou influência na área do quadrinho?

Sy — Tenho muitas. Na verdade me cerco  delas diariamente e estou sempre curiosa procurando algo novo, ou que ainda não conhecia. Mas, claro, tem umas influências mais marcantes e um tipo de quadrinhos que gosto mais, eles são os autorais. Sou muito apegada a quadrinistas autobiográficas e mulheres, como Aline Crumb, Marjane Satrappi, Gabrielle Bell, PowerPaolla, etc.

DMRevista — Quais são suas principais inspirações, motivações e pautas?

Sy — Minhas motivações são as coisas que fazem a minha cabeça. A forma do homem de se relacionar, de estar no mundo, do nosso tempo...E penso nos outros  tempos, naquilo para o qual precisamos lançar um novo olhar e aquilo  que  precisa  de  mudança. Quando eu era bem pequena, eu sonhava em ser um tipo de Albert Einstein, não sabia exatamente o que queria mudar, ou o que lei da relatividade queria fundar, mas sabia que queria construir algo que fizesse com que as pessoas vissem o mundo  de uma nova  forma. Então quando eu percebi que não podia ser Albert Einstein, resolvi fazer quadrinhos.

DMRevista — Como foi a criação da sua page no Face, que hoje conta com quase 100 mil curtidas?

Sy — Ah, o começo foi bem devagar, fiquei quase 1 ano pra chegar a mil seguidores, eu acho. Mas de alguma forma louca, eu já sabia que era isso que eu queria e que ia dar certo. Acho que em 2008 eu criei a minha conta no Facebook e logo em seguida eu criei a conta da Magra de Ruim, eu ainda nem fazia quadrinhos, só escrevia contos e crônicas. Pra mim  ainda tem muitos pontos no que eu posso melhorar e me  comunicar com  um  público maior. Até porque  Facebook é um  nicho  específico, e não sei até que ponto esse nicho é  válido. Tem também o  Tumblr, o  twitter, o Instagram, e a vida real, que ainda deve ser levada em consideração.

DMRevista — Qual o feedback que recebe dos seus desenhos?

Sy — Recebo feedback de todo tipo. Gente querendo ajudar a financiar meu trabalho, gente falando como se  sentiu tocado por ele, convites para entrevistas, convite para bate-papo, oficinas... Já  recebi até foto de menina refazendo pose de algum desenho, fotos de tatuagens com meu desenho, fotos de minas chorando. É maravilhoso essa sintonia que consigo com minhas próprias emoções e o retorno  que elas somadas ao trabalho me dão. Isso faz com que eu sinta que todo o esforço vale a pena, me sinto muito muito grata.

DMRevista — Você já foi censurada ou reprimida de alguma forma por conta da sua arte?

Sy — O Facebook já me censurou algumas vezes, eu não sei com base em que eles atendem as denúncias, ou qual a intenção de quem denuncia. Algumas pessoas criticam e se sentem à vontade para falar qualquer coisa cheia de ódio, porque acham que a internet é um canto livre para isso, estão protegidas pelo anonimato. Em geral, eu não  dou atenção para discurso de ódio vindo de  desconhecidos. Fora isso, nos meios artísticos eu sempre sou bem recebida, acho que não sou completamente "amoral" não. Risos.

DMRevista — Qual seria uma dica ou conselho para quem está começando na área?

Sy — Primeiro eu diria para se aventurar conhecer a si mesmo. O clássico aforismo grego "Conhece-te a  ti  mesmo". Descobrir os pontos fortes e fracos, o que gosta mais de fazer e como se expressa melhor, depois se aprofundar com o estudo mesmo. Não só de quadrinho, como de  várias formas de  se expressar com o  desenho, e com a narrativa. Da narrativa, é  o cuidado de  como contar a história e/ou passar a mensagem desejada. Isso pode  ser feito tanto lendo quadrinhos como livro técnicos de roteiro, ou lendo literatura mesmo. Da imagem, se  aventurar não só nos quadrinhos, mas em ilustrações do nosso tempo e antigas, formas artísticas de expressar a imagem, desde a pintura, gravuras, etc.. Somando o  estudo  da narrativa ao da imagem, você terá um leque infinito de possibilidades expressivas nunca antes experimentadas.

DMRevista — Para você, qual a importância que a arte tem na transmissão de ideias e na transformação social?

Sy — A arte  tem o poder de fazer transformações no homem  e  no mundo. É  através da arte que o homem se vê no espelho de sua cultura. Só depois, os teóricos irão analisar e definir isso ou aquilo. Mas o  que  os faz pensar é  sempre a literatura, o cinema, a arte, etc. Ou seja, os primeiros a captarem  as transformações e mesmo a serem agentes das transformações são os criadores, ou seja, os  artistas.

DMRevista — Quais outros trabalhos, artistas ou projetos nacionais na área de ilustração que você indicaria para os leitores?

Sy — A gente  está com uma cena maravilhosa nos quadrinhos nacionais atualmente,  como eu acho que nunca foi visto em outra época. É a facilidade da internet dando visibilidade a pessoas que passariam despercebidas, se não fosse por essa nova porta. Tem várias meninas boas fazendo  quadrinho e com público. Destaco a sister Lovelove6 de Brasília, criadora da icônica Garota Siririca, a Alexandra que faz o Pintinho tem uma crítica bem interessante cultural  e política. Agora começou o site Nébula, projeto encabeçado por Rafael Coutinho, que conta com a participação de maravilhosos novos nomes dos quadrinhos nacionais, vale  a pena  conferir.

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