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Independência do Brasil: somos, verdadeiramente, livres?

A história da independência do Brasil é cercada de suposições: será que houve mesmo o tal grito às margens do Ipiranga? Outra coisa: houve mesmo independência, de fato?

Segundo o sociólogo e filósofo Nildo Viana, essa é uma questão importante para entender a história da sociedade brasileira, os processos históricos posteriores e para discutir se é possível considerá-lo, atualmente, independente.

“A resposta sobre se em 1822 houve uma independência nacional é positiva ou negativa dependendo do que se entende por “independente”. Uma independência entendida como formação de uma soberania nacional completa não ocorreu nesse momento na sociedade brasileira.

A declaração da independência nesse sentido mais radical ocorre em meio a guerra civil diante dos colonizadores ou algo próximo a isso. O que ocorreu aqui foi a passagem do colonialismo para o neocolonialismo e é isso que explica que a suposta “independência” foi declarada por Dom Pedro I, filho de Dom João XVI, o monarca de Portugal, o país colonizador. A independência do Brasil, nesse contexto, é formal e meramente política”, explica Nildo.

Conforme o sociólogo, o Brasil passou a girar em torno da influência inglesa e ao domínio do mercado mundial, especialmente via Inglaterra. A proximidade com Portugal continuava, já que o país era satelizado pela Inglaterra. Então a proclamação da independência de 1822 não significou a emancipação do Brasil, mas apenas uma mudança parcial que é a independência formal e política marcada pela continuidade da subordinação econômica.

De acordo com Nildo, essa independência formal e parcial vai sendo substituída com o processo de mudanças sociais, especialmente com o processo de industrialização e modernização do país, em outra forma de subordinação. O Brasil se torna um país capitalista, num processo que se inicia no final do século XIX e avança com a industrialização no início do século XX o que culmina com a revolução de 1930.

A partir de 1930 até os dias de hoje, o sociólogo afirma que o Brasil vive sob o signo da subordinação ao imperialismo, com destaque para o norte-americano. A subordinação econômica se revela na força do capital transnacional no interior do país, bem como nas trocas internacionais, endividamento externo, entre outras formas. O capital transnacional é o mais forte dentro do país, que tem um capital nacional fraco e subordinado ao internacional. A subordinação política, derivada da econômica, se manifesta no alinhamento com os Estados Unidos e seus aliados. A subordinação cultural se manifesta através da hegemonia cultural norte-americana e de outros países imperialistas.

O Brasil é um país capitalista subordinado

“Em síntese, o Brasil é um país capitalista subordinado e, por conseguinte, ainda não é “independente” e soberano. Para conseguir isso teria que romper com a subordinação, o que é quase impossível tendo em vista as relações internacionais, a classe capitalista nacional com sua debilidade e aliança com o capital transnacional, a falta de uma força política ou classe social que tenha capacidade de iniciar um processo de transformação social (política, econômica e cultural), pois o proletariado e as classes inferiores, que seriam os maiores interessados nesse processo, estão alijados do processo político e submetido ao processo de dominação e sem maiores recursos culturais, financeiros e políticos, pelo menos atualmente. Isso tudo significa que não existe nenhuma “independência” para ser comemorada dia 7 de setembro”, ressalta Nildo.

Para a Cientista Política e Consultora Parlamentar em Assembleia Legislativa do Estado de Goiás Ludmila Rosa, nosso Estado formou-se antes do nosso sentimento de nação e de uma nacionalidade cívica. Isso fez com que o dito “povo brasileiro” tivesse muita dificuldade em delimitar coisas como sua identidade e seu pensamento autônomo. Não à toa, estudamos muito a importação de ideias e comportamentos europeus como forma de preencher nossas lacunas originárias.

“Neste 2022, às vésperas do bicentenário da simbólica declaração de independência do Brasil do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, convivemos com algumas dessas incertezas permanentes: somos, verdadeiramente, livres? Acredito que não. A falta de uma consciência nacional, mais ampla, fez de nós uma nação fragmentada, como um mosaico de pensamentos díspares, pouco conectados; com predomínio de uma classe socioeconômica por sobre a outra, bem assim, de uma raça (conceito sociológico) em relação a outra. Portanto, não se pode falar em liberdade quando há mais da metade do país de submetidos”, afirma cientista política.

No mesmo sentido, segundo Ludmila, há permanências, do ponto de vista político, que vem desde o Brasil colônia: uma elite poderosa detentora do poder econômico, que também se realiza no político. Após a independência, um Estado Monárquico com muitos privilégios concentrados entre os “amigos do rei” e, depois da proclamação da República, até os dias atuais, um aparato estatal consolidado nos donos e donatários do poder, este que não é percebido como acessível à maioria do povo brasileiro.

Para ela, convivemos, ainda, com práticas patrimonialistas, que se caracterizam pela confusão do público com o privado, relativamente aos ocupantes do poder nacional. Essa indistinção está no cerne da nossa formação política e, mesmo deixando inúmeros estragos à nossa democracia, continua existindo como prova do nosso atavismo com o passado. Passado de que somos reféns.

“A falta de incentivo ao pensamento crítico gera um déficit emancipatório na nação. Um povo que não pensa a partir de um corolário indenitário nacional, não pode ser alçado a níveis satisfatórios de independência. Precisamos abandonar vários grilhões que não foram rompidos no 07/09/1822", destaca Ludmila.

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