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Coronavírus pode desolar continente africano

A República Centro-Africana tem três respiradores para cada 5 milhões de pessoas. O número baixo de máquinas de ventilação mecânica, essenciais para pacientes com covid-19 em estado grave, preocupa autoridades internacionais.

Em Burkina Faso, outro país do continente, a proporção é de 11 respiradores para 19 milhões de cidadãos. Já em Serra Leoa, são 18 para 7,5 milhões.

A pandemia de coronavírus, iniciada na China e disseminada pelo mundo já está presente no continente africano, onde especialistas preveem que vai provocar uma tragédia de "imensas proporções".

O etíope Tedros Adhanom, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), disse, na semana passada, que a África deve se preparar para "o pior". "A África deve acordar", afirmou

Autoridades de outras instituições também declararam que o "desastre é iminente" no continente e que pode se transformar em uma "tempestade brutal" se medidas urgentes não forem tomadas.

No continente, já são ao todo 12 mil casos confirmados da doença e quase 600 mortes na região até esta quinta-feira (09/04).

O país mais afetado é a África do Sul, com cerca de 2 mil casos, acompanhada por Argélia, Egito, Marrocos e Camarões.

À princípio, o número não é preocupante se comparado aos de outros continentes e até mesmo países. O Brasil, por exemplo, já tem 17.857 casos confirmados do vírus. Por que o alerta?

Sistema de saúde precário

O contágio na África do Sul está com um atraso de duas a três semanas em relação à Ásia e à Europa, segundo projeções. Por isso, os governos africanos já vêm recebendo orientações de diferentes ONGS e instituições internacionais para adotarem medidas de confinamento e o fechamento de suas fronteiras.

A recomendação foi seguida por alguns países. É o caso da África do Sul que implementou a quarentena obrigatória e anunciou que começará a fazer milhares de testes de casa em casa.

A Nigéria também confinou os moradores de suas duas cidades mais populosas, enquanto a Gâmbia fechou suas fronteiras. E no Quênia há um toque de recolher.

Contudo, as medidas ainda não são suficientes. "Os casos estão aumentando muito, muito rapidamente", diz a nigeriana Mary Stephen, representante da OMS na África.

"Temos de quebrar a cadeia de transmissão e, quanto mais casos tivermos, mais difícil será", continua Stephen.

"Devemos impedir que as mortes aumentem e, para isso, precisamos ser mais proativos e implementar medidas preventivas e de controle com urgência", acrescenta.

O maior problema que a África tem para enfrentar a pandemia é o seu precário sistema de saúde,com falta de leitos, unidades de terapia intensiva (UTI), médicos especialistas e equipamentos essenciais para enfrentar a doença, como respiradores.

É por isso que, diz Stephen, é tão importante quebrar a cadeia de transmissão "antes que seja tarde demais".

Seguindo a mesma linha de raciocínio, a epidemiologista Anna Roca, que vive na África há dez anos trabalhando para a Unidade de Gâmbia da Escola de Higiene e Medicina Tropical da Universidade de Londres (LSHTM) afirma:

"Estratégias para lidar com a pandemia, como achatar a curva de contágio, foram projetadas na Europa ou em países de alta renda e é muito difícil pensar que possam ser implementadas nesses países", disse ela à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.

"Aqui o sistema ficará saturado muito mais cedo do que nesses países; entrará em colapso muito rapidamente", acrescenta.

Atraso

A pesquisadora deu como exemplo o país de Gâmbia, onde não existem unidades de terapia intensiva. Atualmente, cerca de 100 leitos estão sendo criados em todo o país para combater a pandemia, mas estima-se que serão necessários mais de 1 mil. "Ou seja, estamos atrasados em tudo", explica.

De acordo com a ONG Comitê de Resgate Internacional (IRC, na sigla em inglês), a Somália só tem 15 leitos UTI para quase 15 milhões de pessoas, o Malauí, 25 para 17 milhões e a Uganda, 55 para 43 milhões.

Nesse contexto, teme-se que a propagação da pandemia possa ter efeitos devastadores em um dos sistemas de saúde mais fracos do mundo, colocando em risco também milhões de pacientes que sofrem de outras doenças como tuberculose, aids, malária ou desnutrição.

"O dano colateral esperado na África é muito maior do que na Europa", diz Roca. "Aqui está claro que as mulheres não levarão seus filhos a programas de vacinação, portanto, pode haver surtos de outras doenças".

E "também é esperado que os hospitais não sejam capazes de cuidar de outros pacientes; existe até o medo de que as mulheres tenham seus filhos em casa, o que pode levar ao aumento da mortalidade em recém-nascidos", acrescenta.

Condições mínimas de higiene

Medidas simples como lavar as mãos com água e sabão não são fáceis em alguns locais na África - Getty Images

Como ainda não foi criada uma vacina para a Covid-19, a melhor forma de prevenção contra o vírus são ações de higiene, como lavar as mãos, por exemplo. Esse fator, coloca mais um desafio para o continente, onde existem regiões que, além da falta de alimentos, não há água nem sabão.

Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), na região subsaariana, 63% das pessoas que vivem em áreas urbanas (ou 258 milhões de pessoas) não têm acesso à possibilidade de lavar as mãos.

Na África Ocidental e Central, mais de um terço de todas as pessoas ainda não têm acesso a água potável.

"Para obter água na Gâmbia, é preciso sair de casa e coletá-la nas torneiras públicas. Portanto, a higiene não é uma prioridade, porque não há água para lavar as mãos continuamente", explica Roca.

Outro fator que que dificulta a contenção da pandemia é a alta densidade populacional de algumas áreas deste continente. Em Nairóbi, capital do Quênia, por exemplo, existem favelas, como a chamada Mukuru, onde mais de meio milhão de pessoas vivem superlotadas.

Em Mukuru, as casas são feitas de papelão ou plástico, não têm ventilação ou drenagem, nem coletam resíduos: a fórmula perfeita para a propagação de doenças.

"Não podemos separar uma criança da outra em caso de infecção. Não temos espaço. Não há quartos aqui", disse à BBC uma das moradoras deste local, Celestine Adhiambo.

Do mesmo modo, há tradições culturais profundamente enraizadas em algumas sociedades africanas que podem facilitar o contágio. "Aqui os programas da Europa para isolar pessoas vulneráveis são muito difíceis de implementar, pois muitas famílias vivem juntas, na mesma casa e todas comem do mesmo prato", explica Roca.

Em muitos casos também, os governos não estão fazendo a conscientização de maneira correta e clara afim de impedir a transmissão da doença.

"Precisamos garantir que as pessoas estejam sendo adequadamente informadas sobre o que está acontecendo em seus países e como elas podem cuidar de si mesmas, por exemplo, por distanciamento social ou como tossir e espirrar, lavar as mãos etc.", explica Stephen, da OMS.

"Há muito pânico e, porque as pessoas estão em pânico, há países que estão agindo sem evidências científicas", acrescenta.

Caos econômico

Não é de hoje que a o continente africano sangra com conflitos socioeconômicos e desigualdade social. E, infelizmente, ainda é comum associar a região à pobreza extrema.

Tendo em vista as economias instáveis de muitos países africanos, a possibilidade de criar pacotes econômicos que ajudem a população a lidar com a crise é vista como pouco provável.

Consequentemente, muitas pessoas não serão capazes de parar de trabalhar porque não terão nada para comer.

"Em países onde as pessoas ganham o dinheiro do dia, onde não existe possibilidade de poupar, onde a maioria das trocas comerciais é informal, o impacto pode ser muito grande e rápido", explica Roca.

Um exemplo é a Gâmbia, que fechou suas fronteiras com o Senegal, do qual depende economicamente. Para o correspondente da BBC África Andrew Hardwing, "não há dúvida de que isso pode se transformar em um desastre".

"O impacto econômico na África será enorme, porque temos economias muito vulneráveis e , mesmo nas mais sofisticadas, como a África do Sul, o golpe será muito forte", explica ele.

Como a crise é mundial, dificilmente os países com situações econômicas estáveis serão capazes de auxiliar países africanos. Especialistas acreditam que será difícil obter ajuda de outros países, porque todos estão sendo afetados pela pandemia.

Outra preocupação é sobre o fim da ajuda humanitária, essencial para muitos países africanos. "Aqui estamos acostumados ao fato de que, quando as catástrofes acontecem, os países de alta renda nos enviam recursos. Mas, no momento, é muito difícil pensar que essa ajuda chegará até nós", diz Roca.

No momento, a única esperança que resta é que a pandemia leve tempo para se agravar na África, para que, quando isso acontecer, outros países do mundo, mais desenvolvidos, já tenham superado suas crises e possam enviar os reforços necessários.

"Os dados indicam que o surto aqui será tão forte quanto na Europa e não estamos preparados. Espero que, quando emergirem da pandemia, eles reajam rapidamente para ajudar a África", conclui Roca.

Coronavírus pode levar milhões à pobreza

Desigualdade ameaça progresso social – Foto: Aamir Mohd Khan/Pixabay

A ONU divulgou um estudo nesta quinta-feira, apontando que até 500 milhões de pessoas poderiam ser empurradas para a pobreza por causa da pandemia do coronavírus.

Os pesquisadores usaram dados do Banco Mundial para medir os efeitos da redução dos gastos nas economias do mundo em três níveis de pobreza - U$ 1,90 (R$ 9,75), U$ 3,20 (R$ 16,40) e U$ 5,50 (R$ 28,18) por dia.

Segundo o estudo, o nível de pobreza em países em desenvolvimento poderia voltar a um patamar de 30 anos atrás, em consequência da crise atual.

Tendo em vista o patamar de pobreza de U$ 5,50 (R$ 28,18) por dia, cerca de 40% dos novos pobres estariam concentrados no leste da Ásia e no Pacífico, com cerca de um terço na África Subsaariana e no sul da Ásia. A América Latina responderia por 10% desse aumento global.

O impacto da pandemia do coronavírus poderia apresentar, assim, um enorme desafio para se atingir o fim da pobreza em 2030, um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

*Com informações da BBC Brasil

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