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'Rosa' e a densidade poética de Orides Fontela

“Tem um dos dons essenciais da modernidade: dizer densamente muita coisa por meio de poucas, quase nenhumas palavras, organizadas numa sintaxe que parece fechar a comunicação, mas na verdade multiplica as suas possibilidades. Denso, breve, fulgurante, o seu verso é rico e quase inesgotável, convidando o leitor a voltar diversas vezes, a procurar novas dimensões e várias possibilidades de sentido”, menciona o crítico Antonio Candido sobre a poética singular de Orides Fontela (1948-1998), uma das mais importantes poetas contemporâneas do País.

Nesse sentido, "Rosa" (1969), poema de Orides, exprime com excelência o projeto artístico-literário da poeta.

Rosa
Eu assassinei o nome
da flor
e a mesma flor forma complexa
simplifiquei-a no símbolo
(mas sem elidir o sangue).
Porém se unicamente
a palavra FLOR – a palavra
em si é humanidade
como expressar mais o que
é densidade inverbal, viva?
(A ex-rosa, o crepúsculo
o horizonte.)
Eu assassinei a palavra
e tenho as mãos vivas em sangue.

(FONTELA, 2006, p. 33).

Intitulado Rosa, o poema tem, como ponto de partida, a flor e suas atribuições simbólicas possíveis, e nelas se ancora. O poema, nessa perspectiva, constrói a simbologia da flor, ao mesmo tempo em que é construído por ela.

Essa relação dialética só é possível porque é transpassada por uma voz autocentrada, que não se volta apenas para si mesma, mas também aponta para os elementos que evoca, atribuindo a eles uma reflexão lírica sobre a experiência vivida na linguagem.

Depois de “assassinada” pela eu lírica, a arbitrariedade do nome rosa é substituída pela simplificação no símbolo, mantendo, no entanto, sua essência (“mas sem elidir o sangue”).

A eu lírica, em vez de expressar a palavra rosa e, em seguida, compor o poema, opta por subverter a isso, já que em momento algum, senão no título, expressa o nome rosa; alude, na verdade, a toda sua significação simbólica vivenciada na linguagem poética. Preservada sua essência no símbolo, a flor é tencionada, portanto, além do signo verbal, de modo que a especificidade estética do poema encontra sua medida.

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