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COTIDIANO

Meio Ambiente Constitucionalizado

Mais um ano se completa da nossa Constituição da República Federativa do Brasil, a nossa Carta Magna, a chamada Constituição Cidadã que mudaria todo o sistema normativo brasileiro dali em diante.


No dia 5 de outubro de 1988, por volta das 16 horas, o então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, se levantou, foi ao microfone e declarou:
-“Declaro promulgada. O documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude para que isso se cumpra!”


Essa Constituição, que foi apelidada de cidadã por ter o maior número de direitos e garantias individuais já vistos em uma Constituição Brasileira, foi também chamada de Constituição Verde ou Constituição Ecológica, pois foi a primeira a regulamentar a proteção e a defesa do meio ambiente.
O artigo 225 trouxe em seu bojo, a tutela administrativa, penal e civil do meio ambiente. A regra matriz da proteção ambiental brasileira está aqui sintetizada:


“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”


Repito aqui, a frase final do artigo, “o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”! Pois bem, essa sentença definiu todo o cerne antropocêntrico da política ambiental brasileira! O homem tem o dever e a obrigação de proteger o meio ambiente, mas para que o próprio homem dele usufrua. O fim de toda preservação é o bem estar da própria humanidade. A Constituição não trouxe o preservacionismo como fim, mas sim como meio de se preservar a própria geração humana.


Diante disto, é que me causa espanto algumas medidas extremamente radicais, que se forem observadas na hermenêutica constitucional, estão sendo inclusive contra o que a própria norma mãe diz. Em março deste ano, a Prefeitura de Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, proibiu a utilização de tração animal para o “passeio das vitórias”, tradicional passeio de charretes puxadas à cavalo pelo centro turístico da cidade. A atração é uma herança cultural e histórica que remete ao tempo em que a cidade era local de veraneio da família real.


Ora, não há que se falar aqui em maus tratos aos animais por simplesmente puxar uma charrete, existe linhagem de cavalos melhorada geneticamente com o único fim de tração, é claro, que às normas de bem estar animal devem ser observadas sempre, verificando o cuidado com estes, mas o que fazer com estes cavalos que foram treinados exclusivamente para este fim? O que precisamos entender é que o meio ambiente, aqui incluímos os cavalos, que fazem parte do meio ambiente natural, e o passeio com charretes, que fazem parte do meio ambiente cultural, devem servir justamente para o homem, em uma convivência pacífica, harmônica e zelosa, mas não o inverso. Lembremos, nossa constituição é antropocêntrica, o homem é o centro dela, é para o homem que devemos preservar e, no caso acima, deixar de ter tal atração turística e desfazer dos animais, não é uma atitude ambientalmente sustentável.


Será que esses charreteiros que mantinham esses animais muito bem cuidados, pois eram o seu ganha pão, continuarão a zelar dos mesmos que agora não serão mais sua fonte de renda? Aliás, como as famílias dos charreteiros irão agora se sustentar? Como iremos mostrar para as futuras gerações como se vivia antigamente? Como iremos manter viva uma parte de nossa história? As charretes elétricas cumprirão esse papel? A energia utilizada para tal fim é uma energia limpa?


Fica aqui a frase da historiadora Emília Viotti para reflexão: "Um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado."

Carolina Pereira é advogada especializada em direito ambiental, conselheira Seccional da OAB/GO, presidente da Comissão Especial de Direito do Agronegócio da OAB/GO e presidente do Conselho Consultivo da SGPA.

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