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COTIDIANO

A ferida que não sara

A tragédia do Colégio Go­yases completa hoje, dia 20/10/2018, um ano. O menor atirador J.C.A.M, no dia 20/10/2017, abriu fogo contra os colegas de classe. O saldo do cri­me foi dois mortos e quatro lesio­nados. Hoje os pais das vítimas da tragédia convivem com a dor da perda, das sequelas e da impuni­dade, vez que, a pedido do Minis­tério Público, o juízo determinou o arquivamento do inquérito po­licial militar. Ninguém foi denun­ciado. O menor permanece detido.

O menor atirador J.C.A.M. era colega de classe das vítimas. O nome dele aparece abreviado nes­ta reportagem porque o Estatuto da Criança e do Adolescente não per­mite a divulgação do nome do me­nor infrator, para preservá-lo.

No entanto, duas vidas foram ceifadas e quatro adolescentes fica­ram feridos, com marcas que car­regarão por toda a vida.

O crime foi cometido dentro das dependências do Colégio Go­yases enquanto a professora aten­dia alguns alunos que estariam participando da feira de ciências, que seria realizada no outro dia. Foi quando o menor J.C.A.M. sa­cou de uma pistola .40 de uso ex­clusivo da Polícia Militar e abriu fogo contra os colegas. O inquérito instaurado apurou que a arma per­tencia à mãe do atirador, Wander­lúcia do Espírito Santo Malaquias, hoje 2º sargento da Polícia Militar.

VÍTIMAS FATAIS

O primeiro a ser alvejado foi João Pedro Calembo, que à época esta­va com 14 anos. Ele levou um tiro na boca e estava sentado na cartei­ra logo atrás do atirador.

João Vitor, o segundo a ser mor­to pelo menor atirador, era um dos poucos amigos que J.C.A.M. ti­nha na escola. Este, inocentemen­te, considerando que era amigo do autor dos disparos, foi de encontro ao mesmo, e lhe disse: “O que é isso? Não faça isso!”, quando foi atingido na cabeça, vindo a falecer na hora.

Na sequência, outros alunos fo­ram atingidos aleatoriamente.

VÍTIMAS COM SEQUELAS

Yago Marques (13 anos) levou um tiro pelas costas, e está com uma bala alojada à 2 mm da co­luna cervical.

Isadora de Morais (14 anos) le­vou um tiro no tórax, tendo sido lesionada na coluna. Está para­plégica, dependendo da ajuda de amigos, parentes e terceiros para fazer um tratamento em São Pau­lo, haja vista que precisa de fortale­cimento muscular na altura lombar.

Lara Fleury Borges (14 anos) levou um tiro no pulso, o que dei­xou lesões, tendo hoje dificuldade nos movimentos da mão.

Marcela Rocha Macedo (13 anos) foi atingida por um tiro no tórax, teve uma costela atingida, o pulmão esquerdo perfurado, e hoje mora com a mãe, nos Esta­dos Unidos.

A FAMÍLIA CALEMBO

Leonardo Marcatti Calembo, pai de João Pedro Calembo que morreu na hora, com um tiro na boca, ainda não tem chão.

A imprensa, à época, veiculou que o menor atirador J.C.A.M. foi ví­tima de bullying, e assim o fato deu­-se por encerrado. O atirador virou vítima, e as vítimas, culpadas.

O coronel da Polícia Militar Ané­sio Barbosa da Cruz afirmou, em re­portagem veiculada à época pelo portal G1, que o autor dos dispa­ros era alvo de chacota dos colegas. “Ele estaria sofrendo bullying, se re­voltou contra isso, pegou a arma em casa e efetuou os disparos”, declarou.

Os pais de João Pedro Calembo contestam esta afirmação, e disse­ram a esta reportagem que foi apu­rado, através do depoimento dos demais coleguinhas, que o atirador realmente inalava um forte odor dentro da sala de aula. João Pedro, acostumado a manter a higiene pessoal perfeita, até por orienta­ção dos pais, mantinha um deso­dorante na mochila quando tinha aula de educação física, para poder usá-lo após a aula, e ofereceu ao co­lega J.C.A.M, para tentar amenizar o mau cheiro que exalava por toda a sala. “Meu filho foi cortês. Não o fez por maldade, ao contrário do que a imprensa veiculou”.

Os pais de João Pedro Calembo são membros da Igreja Batista Re­nascer e há sete anos trabalham com famílias, liderando e minis­trando cursos para pais. Leonar­do Calembo ainda se assusta com o fato de ter perdido o filho para a violência, já que há sete anos traba­lha na igreja combatendo a violên­cia familiar. Ele avalia que aconte­ceu com sua família foi exatamente o que ele tentava evitar que aconte­cesse com as outras família.

“Foi um ano muito difícil”, de­sabafa, “já que não tivemos apoio nem da escola ou dos pais do ati­rador, que jamais pediram des­culpas pelo ocorrido, do Estado ou do município”.

A reportagem apurou que o Con­selho Estadual de Educação, órgão fiscalizador do ensino básico e Edu­cação de Jovens e Adultos (EJA), não instaurou nenhum procedimen­to para apurar responsabilidades.

A mãe de João Pedro, Bárba­ra Melo, desabafa: “Nós entende­mos que quando os nossos filhos erram, temos uma responsabili­dade moral de correção. Quando vemos pais omissos em relação àquilo que precisava ser feito, en­tendemos que realmente temos vi­vido uma crise de valores”.

“Se uma criança quebra a vidra­ça da sua casa, a responsabilidade é dos pais. Quanto mais sobre uma vida. Durante um ano, não recebe­mos nenhuma mensagem que dis­sesse: “sinto muito pelo que meu fi­lho fez, tirando a vida de seu filho. Como pais do João Pedro, não co­bramos muito sobre as atitudes de uma adolescente de 14 anos, mas existem pessoas que são respon­sáveis por ele. Contra elas, nada aconteceu. Até agora, ninguém foi responsabilizado”, relata a mãe Bár­bara Melo Calembo.

O tenente-coronel Marcelo Granja, chefe de comunicação so­cial da Polícia Militar do Estado de Goiás, informou ao Diário da Ma­nhã que nenhum procedimento disciplinar foi aberto contra o pai do atirador, o tenente-coronel Divi­no Aparecido Malaquias, vez que a arma do menor atirador pertencia a sua mãe, a 2º sargento Wander­lúcia do Espírito Santo Malaquias, ambos da Polícia Militar. Contra ela, foi aberto um Inquérito Policial Mi­litar, o qual foi concluído pela Au­ditoria Militar, cujo resultado foi o arquivamento do inquérito, já que Ministério Público do Estado de Goiás purgou pelo arquivamento dos autos. Em consequência, o Po­der Judiciário sentenciou determi­nando o arquivamento do Inquéri­to Policial Militar. Assim, nem o pai, o tenente-coronel Divino Apareci­do Malaquias, nem a mãe do atira­dor, Wanderlúcia do Espírito Santo Malaquias foram denunciados pela Justiça do Estado de Goiás.

Bárbara Melo, mãe de João Pe­dro, disse ainda que nos primei­ros dias após a tragédia manteve uma relação muito boa com o Co­légio Goyases, na busca de infor­mações que explicassem a tragé­dia. A medida que as informações e os resultados das investigações fo­ram chegando, ela e seu marido fo­ram entendendo que a escola ha­via sido omissa em relação a todos os acontecimentos. Uma foto com­prova que o menor atirador usava uma suática dentro da escola, ob­servado pelos outros coleguinhas, todos vestidos com o uniforme do Colégio Goyases. Na foto, ora vei­culada, J.C.A.M discursa para ou­tros coleguinhas dentro de escola com a suástica no braço esquerdo, fato este que não foi apurado pelas autoridades competentes.

Essa mesma cruz, com os braços voltados para o lado direito, foi ado­tada como emblema oficial do III Reich e do Partido Nacional-Socia­lista alemão, e se tornou símbolo do nazismo. Um símbolo carregado de uma memória triste que marcou o século XX pelas atrocidades aconte­cidas na Alemanha nazista. Essa se­ria a primeira definição que alguém, com poucos conhecimentos histó­ricos, ofereceria no momento que visse o célebre escudo que um dia estampou a bandeira alemã.

A associação entre a suástica e o nazismo teria sido feita pelo poe­ta alemão Guido List, que sugeriu o uso do símbolo como síntese do or­gulho nacionalista alemão e o repú­dio ao povo judeu. O crime por mo­tivo torpe nasce na convicção do agente de que a sua crença é fonte de direito, ou seja, é princípio legi­timador de qualquer ação, ou seja, a pessoa se julga acima da lei e da moral e por isso poderia praticar qualquer ato violento, inclusive o matar as pessoas. Nada disso foi apurado, ninguém responsabiliza­do, sequer por omissão.

Ivan Aragão Macedo é tio de Marcela Rocha Macedo, uma das vítimas do atirador do Colégio Go­yases, que levou um tiro que não deixou sequelas. Mas a luta foi gran­de. Marcela permaneceu na UTI do Hospital de Urgências de Goiás por 5 dias e 6 dias na enfermaria.

Ivan já tinha uma vida dedi­cada ao combate à violência. Fi­lho de militantes do Movimen­to dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), cresceu em um am­biente de luta por um pedaço de chão. O ambiente era de violên­cia, já que seus pais moraram no acampamento, antes de alcança­rem a propriedade do imóvel ru­ral. Hoje eles detém o título da ter­ra onde podem cultivar e subsistir.

Ivan Aragão frisa que veio dos movimentos, da militância. Hoje ele é aluno do curso de publicida­de. Já combatia a violência, mas após a tragédia com sua sobrinha, Marcela Rocha, ele criou um mo­vimento que se chama Campanha Nacional Contra a Criminalidade. O movimento visa uma mobiliza­ção nacional para sensibilizar es­tudantes e a população em geral a se posicionarem contra a violên­cia. Como palestrante, ele prega a importância da união das famílias para a promoção da paz e do en­gajamento da juventude na parti­cipação política, sem ideologias.

Finalmente, os pais de João Pe­dro Calembo, Leonardo Marcatti e Bárbara Melo Calembo, aguardam um pedido de perdão por parte da Escola Goyases através de seus res­ponsáveis legais e dos pais do autor dos disparos, que levaram seu filho à morte. Disso eles não abrem mão. As demais providências jurídicas es­tão sendo tomadas. Em tempo.

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