Home / Cotidiano

COTIDIANO

A incompatibilidade no relacionamento

Andrey Cristiano Ta­vares, 41, assiste a todos os jogos do Timão. Não importa o ho­rário, muito menos os compromissos da vida cotidiana. Seja quarta­-feira após o último bei­jo da novela, ou quinta ao findar o expedien­te. Ele estará lá com os olhos vidrados no tele­visor, gritando palavras de amor e ódio. Já Julia­na Cristina Santos, 43, não pode ser considerada fã in­condicional do esporte bre­tão. Apesar de se denominar alvinegra paulista, não possui os mesmos hábitos que Andrey, seu marido. Juliana gosta de ou­vir músicas e conversar com sua cunhada, que mora capital goia­niense, a 1.200 quilômetros de Ponta Grossa, no Paraná, onde mora com suas duas filhas.

Um gosta de ter vida social movimentada, o outro de ficar sossegado em casa. Um curte fu­tebol, o outro detesta esporte. Um não abre mão de carne vermelha nas refeições, o outro é vegeta­riano. Um ouve sertanejo, o ou­tro sabe tudo de rock.... Embora tenham incontáveis diferenças, especialmente de gênio, há ca­sais que são perdidamente apai­xonados e se entendem bem en­tre quatro paredes. O problema é que esse tipo de ligação não bas­ta, e estilos distintos podem gerar desavenças, irritação e dúvidas: com poucas coisas em comum, será que essa relação tem futuro? Vale mesmo a pena investir para dar certo, ou é melhor – e uma es­colha inteligente – romper antes que ambos se magoem?

A psicóloga Dalva de Jesus Cutrim Machado explica que a incompatibilidade de gênio pode destruir relacionamentos. “Para se ter um relacionamento duradou­ro é necessário ter química, sim, mas não só isso”, afirma. Para ela, é preciso haver um pouco mais do que afetividade sexual para que a convivência entre os dois não seja pesada. “Mesmos projetos de vida podem ser considerados fatores determinantes. Além disso, é im­portan­te não fazer com que a com­panhia do outro se torne desagradável, por­que isso também pode ser danoso para um re­lacionamento e pode somar para acabá­-lo”, completa.

Especial ista em sexualidade, a psicóloga Sandra Tonsa afirma que insistir em manter o relacionamento quando há incom­patibilidade de gê­nio pode ser uma escolha arrisca­da. Segundo ela, em postagem em seu blog pessoal, a visão que mui­tas vezes se tem acerca do término de um relaciona­mento é equivoca­da. “Eu tinha a im­pressão que acabar um namoro ou casa­mento era como fra­cassar na tentativa de fazer as coisas darem certo. Mas, em casos de incompatibilidade de gênios, ficar junto é como remar contra a maré”. “Quando se está com a pessoa certa não é preciso fazer nenhum es­forço”, garante Tosa.

Já o psicólogo Felipe de Souza acredita que a incompatibilidade de gênio não seja determinante para o fim de um relacionamen­to, e que uma boa comunicação entre o casal pode atenuar as dis­paridades existentes. De acordo com ele, todos namoros e casa­mentos seriam como a história de Narciso e fariam com que o ser humano se apaixonasse pela própria imagem no espelho se os dois fossem semelhantes. “No fundo, não é difícil de ver que a paixão surge não pela igualdade, mas pela diferença. Buscamos na outra pessoa o que nos fal­ta, o que não temos e isso é exa­tamente a definição de desejo”.

CONVÍVIO

“Que seja eterno enquanto dure”. Boêmio, o poeta Vinícius de Moraes dedicou praticamente uma vida para escrever sobre as mulheres. A frase do escritor pode ser interpretada à luz das dificul­dades encontradas pelos casais no dia a dia. Diferenças tornam a vida a dois mais difíceis, criam barreiras e resistências cada vez maiores. Ditados popula­res dizem que os opostos se atraem, mas nem por isso combi­nam: mui­tas pes­soas vivem brigando e se irri­tando com seus compa­nheiros. Tem­peramentos e gostos anta­gônicos difi­cultam a vida – como as pre­ferências por fu­tebol de Andrey e de música por parte de Juliana.

“Viver a dois tem seus pro­blemas e di­f i c u l d a ­des, como as preferên­cias de um por uma coi­sa e do outro por outra coi­sa”, conta a pe­dagoga Julia­na Cristina dos Santos. Mãe de duas crian­ças pequenas, ela disse que já se acostumou com certos compor­tamentos de seu marido. “A con­vivência cotidiana faz isso conos­co. Há modos dele que nem me preocupo, embora me incomo­dem, porque sei que ele é assim e não será uma ou duas palavras de repressão minha que irão mu­dá-lo”, afirma a pedagoga. “É pre­ciso, antes de tudo, saber conviver com a pessoa que você gosta”, diz.

Assim, ela evita pegar no pé de Andrey e vice-versa. No entan­to, algumas coisas ainda servem como pretexto para discussões bobas, como o hábito de deixar em cima da pia da cozinha talhe­res ou copos sujos de achocola­tado que foram utilizados hora antes. “Porém, creio que a maior diferença nossa se dá na questão do gênio mesmo: sou um pou­co nervoso, me irrito fácil, e ela é mais calma, mais tranquila”, con­fessa ele, que reconhece o perigo que há nesse tipo de diferença. “Quando está rolando isso é um triz para que tudo vá aos ares, de uma hora para outra”.

AMOR PRÓPRIO

Mais do que tentar semear amor, é preciso se conhecer bem para driblar determi­nadas diferenças. Você preci­sa saber até que ponto ficará tranquilo deixando de lado aquilo que acredita. Especia­listas recomendam que an­tes de começarem a negociar algo é preciso que compreen­dam que até os mais parecidos possuem diferenças. Outro pas­so importante é saber que nesse processo de autoconhecimento é preciso ter o entendimento de que todos nós levamos para os re­lacionamentos às bagagens emo­cionais com–ou sem–questões que não foram resolvidas com­pletamente no passado.

Em Novas formas de amar, a psi­canalista Regina Navarro decreta a morte do amor romântico, que te­ria sido introduzido no matrimô­nio por meio dos filmes de Holly­wood. Ela argumenta que esse tipo de amor nutre-se de uma fantasia que é criada conforme as necessi­dades da outra pessoa, o que não seria destruído pela convivência a dois. “Quando estamos apaixona­do por alguém, o mundo se reviste de tamanho significado que a cada encontro somos transportados para fora da realidade e cria-se um esta­do de exaltação”, diz, no twitter. En­quanto isso, continua ela, “a pai­xão dura pouco e é difícil alguém se apaixonar por quem conhece bem”


Quando estamos apaixonado por alguém, o mundo se reviste de tamanho significado que a cada encontro somos transportados para fora da realidade e cria-se um estado de exaltação” Regina Navarro, psicanalista   Para se ter um relacionamento duradouro é necessário ter química, sim, mas não só isso” Dalva de Jesus Cutrim Machado, psicóloga

Leia também:

  

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias