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“Não existe falta de água no mundo”, diz professor

Professor do Departamen­to de Geografia da Facul­dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Luís Antonio Bittar Ventu­ri disse que “não existe falta de água no mundo, o que há é má gestão dos recursos hídricos”. Ele afirma ainda que a água é um re­curso infinito. De acordo com o professor, a água que abastece os continentes vem do mar e, em média, a quantidade de água que evapora é menor do que a quan­tidade de água que precipita, isso faz com que os oceanos tenham um índice positivo na escala de precipitação e vaporização.

“Ela (a água) é infinita na me­dida em que ela vem do oceano. A água que existe no continen­te ela vai basicamente do ocea­no numa escala positiva de mais ou menos 8% nos continentes, ou seja, em todos os continentes em média chove mais do que evapo­ra 8%. Enquanto o sistema ter­ra funcionar o nosso grande re­servatório de água doce, que é o oceano, vai estar trazendo água doce para os continentes”, expli­ca Venturi, que atua nas áreas de Recursos Naturais, Teoria, Méto­do e Técnicas de Pesquisa.

O pesquisador afirma ainda que “não existe crise hídrica na­tural”. Venturi diz que existem al­gumas regiões com escassez hí­drica natural. No caso do Brasil, ele cita o exemplo do que seria “o lugar onde menos se tem acesso a água potável no ambiente urba­no”, o Estado do Amazonas, onde existe a maior concentração de água no mundo. Em regiões que são mais áridas, com mais escas­sez hídrica natural, o pesquisador, que atua na região do Oriente Mé­dio, observou que o racionamen­to de água não existe, como ocor­reu em Goiânia no ano passado e deve acontecer novamente em 2018. Para ele, tudo é uma ques­tão de gestão dos recursos.

“A Síria e o Iraque são os paí­ses que mais tem água, porque eles são banhados pelo rio eufra­tes e tigre. São os países que na­turalmente tem mais água, mas como são países empobrecidos, eles têm menor acesso a água potável per capita de toda região. Nos países do golfo, que são os países riquíssimos por causa do petróleo, eles não tem nada de água, mas com inserção tecno­lógica eles conseguem assegurar níveis de abastecimento seme­lhante a países europeus”, exem­plifica Venturi.

O professor relata que visitou uma usina de dessalinização de médio porte na cidade de Sur, em Omã, onde se produzia 80 mil metros cúbicos de água po­tável por dia a um “custo mais barato do que a gente paga para limpar as águas do Guarapiran­ga”, rio que abastece a cidade de São Paulo. Venturi emenda ain­da, alegando que “há usinas na Arábia Saudita que produzem 1 milhão de metros cúbicos de água potável por dia”.

Sobre o custo de dessaliniza­ção da águas, o pesquisador alega que as tecnologias tendem a bara­tear com o tempo. “No início toda tecnologia custa caro e com tem­po vai se tornando mais eficien­te e barata. Se há 10 anos atrás eram necessários 15 quilowatts de energia para cada metro cú­bico, hoje a gente consegue pro­duzir um metro cúbico de água com 3,5 quilowatts e a inserção de energias inesgotáveis, como a solar e a eólica, estão crescendo cada vez mais”, explica.

USINAS

O professor cita ainda exem­plos de usinas que são totalmen­te movidas a energia eólica e diz ainda que, com o aprimoramen­to e difusão das tecnologias de dessalinização, a tendência é que os mesmos procedimentos sejam utilizados na purificação de esgotos o que, segundo ele, é mais simples do que dessali­nizar a água.

Luiz Antonio Bittar Venturi é pesquisador da questão de recur­sos hídricos no Oriente Médio e faz estudos sobre o uso de tecnologias no aproveitamento da água. Lan­çou recentemente o livro “Água no Oriente Médio – O Fluxo da Paz”.

Governantes locais propõem ações para superar desafios de água e saneamento

DA AGÊNCIA BRASIL

Autoridades e representantes de prefeituras e governos regio­nais de diversos países apresenta­ram recomendações para superar os desafios locais de acesso à água e ao saneamento básico, durante o 8º Fórum Mundial da Água.

As propostas do Chamado para a Ação de Governos Locais e Regionais sobre Água e Sanea­mento de Brasília sugerem pro­mover uma agenda integrada de direitos humanos e acesso à água e ao saneamento; aprimorar as legislações relativas aos recur­sos hídricos e à eficiência ener­gética; aumentar o financiamen­to descentralizado de projetos de água; melhorar o planejamento para evitar riscos e mitigar as mu­danças climáticas, protegendo as áreas sensíveis; e fortalecer os go­vernos locais e cidadãos para a governança da água.

Os compromissos apresenta­dos hoje serão revisados e ava­liados durante o encontro das autoridades locais no 9º Fórum Mundial da Água, em Dacar, no Senegal, em 2021.

A prefeita de São Bento do Una (PE), Débora Almeida, apresentou os cinco ítens, que são o resultado dos dois dias de discussões da 5ª Conferência de Autoridades Locais e Regionais pela Água, realizada durante o fórum. Débora ressaltou que a maioria dos Objetivos de Desen­volvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) – entre os quais um se refere ao acesso e à ges­tão sustentável da água – é im­plantada dentro dos municípios. “Necessitamos demais do apoio dos outros governos [estado e União]. As obrigações estão com os municípios, mas nem sempre as receitas e recursos chegam a quem tem obrigação de implan­tar essas ações”, disse.

DESCENTRALIZAÇÃO

Para o prefeito de Manaquiri (AM), Jair Souto, a descentrali­zação dos recursos financeiros, inclusive da União, é essencial para os investimentos em re­cursos hídricos e saneamento. “A agenda da água e a agenda climática precisam ser pauta­das com os orçamentos muni­cipais”, disse. “A alternativa para que tenhamos uma gestão pla­nejada e bem executada é en­volvendo e levando à popula­ção sua responsabilidade. E nós, que somos agentes públi­cos, temos de pautar e respon­der à sociedade com eficiência”.

A governança integrada e sus­tentável da água depende das so­luções inteligentes que as auto­ridades locais podem fazer para suas regiões, na opinião da pre­feita de Libreville, no Gabão, Rose Christiane Ossouka Raponda. “Precisamos cumprir esse dever de colocar em prática essas ações para que nossa população possa ter acesso à água”, afirmou.

Na avaliação do diretor-pre­sidente da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa), Pau­lo Salles, as propostas apontam para questões essenciais para o desenvolvimento sustentável. “Sustentabilidade traz a ideia de um compromisso entre gerações, significa que estou deixando um mundo para as próximas gera­ções. E talvez nossa obrigação seja deixar o mundo igual ou me­lhor para que eles tenham mais chances que nós”, disse.

Salles ressaltou que é impor­tante construir comunidades re­silientes, capazes de se adaptar aos efeitos das variações climá­ticas. “Devemos trabalhar de for­ma sinérgica, apoiando as solu­ções naturais e não eliminando e substituindo-as por soluções artificiais. Assim, teremos água o resto da vida”, completou.

Mudanças climáticas aumentam disputas judiciais por água e desafiam juízes

Pela primeira vez, juristas es­tão reunidos para debater o aces­so à água: soluções no âmbito do direito são cogitadas como instru­mental para o uso.

Em todo o mundo, juízes se deparam com a díficil tarefa de conciliar a aplicação de leis com a complexidade de decidir quem tem mais direito sobre a água em uma disputal judicial.

“Cada vez vemos mais leis da água que estão fortemente subsi­diadas pelos avanços científicos, no entendimento dos fenômenos naturais, que envolve o complexo meio ambiente onde a água está inserida”, disse o presidente exe­cutivo da Associação Internacio­nal para Direito da Água (Aida), Stefano Burchi, durante a confe­rência de juízes e promotores no 8º Fórum Mundial da Água.

Pela primeira vez, juristas es­tão reunidos no fórum para tratar das perspectivas, desafios e solu­ções no âmbito do direito para pro­blemas envolvendo a água e seus usos. O evento começou no dia 18 e vai até 23 de março, em Brasília.

Para Burchi, nesse contexto, as mudanças climáticas aumentam os conflitos judiciais–por causa de escassez ou excesso de água, a concorrência pelo uso do recurso e o impacto sobre os bens mate­riais. “As águas subterrâneas, por exemplo, são um recurso comple­xo e se tornam mais importantes de forma estratégica quando se conjugam com os recursos hídri­cos superficiais. Trata-se de algo que está assumindo um valor. E tenho testemunhado gerações de juízes que tem tentado decifrar os meandros das evidências hidro­geológicas”, contou.

Com essa demanda crescen­te, juízes têm de tomar decisões, recorrendo não somente às leis, como também à ciência. “Não tenho inveja de vocês juízes que serão convocados a interpretar a lei, principalmente nesse am­biente contemporâneo, quando as leis se tornam mais comple­xas, expostas a desafios comple­xos ocasionados pela mudança do clima”, disse Burchi.

CORRUPÇÃO NO SETOR HÍDRICO

O representante do Progra­ma de Governança da Água da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Hakam Tropp, alerta que esse cenário exige de governo, ins­tituições públicas, setor privado e organizações civis ações que prio­rizem a transparência, responsa­bilização e participação. E, para ele, a Justiça ainda tem pela fren­te a missão de impedir “a corrup­ção no setor hídrico”.

“Algo que estamos observan­do é que há um risco grande de corrupção no setor hídrico e ela pode se dar em diferentes níveis. Já somos testemunhas da corrup­ção em pequena escala, como, por exemplo, fazer um gato no hidrô­metro”, disse. “Isso é algo que torna o setor menos capaz de responder aos desafios da água e que leva à falta recursos financeiros para in­vestimentos”, ressaltou.

Para Tropp, é possível intensi­ficar o trabalho de prevenção em relação à corrupção, por exemplo, a partir dos princípios da gover­nança. “Agimos só depois do fato acontecido, mas como colaborar para evitar que esses problemas aconteçam? Com transparência, responsabilização e participação”, disse, chamando o Judiciário para participar e complementar o tra­balho de profissionais do setor de recursos hídricos.

RESILIÊNCIA

Para o diretor do Programa Global da Água da União Inter­nacional para a Conservação da Natureza (IUCN), Mark Smith, a Justiça pode ajudar na adaptação para o enfrentamento das mu­danças climáticas com infraes­trutura e tecnologias sustentá­veis; aspectos sociais e políticos; e aprendizado e conhecimento.

“São os quatro elementos da resiliência no enfrentamento às mudanças climáticas”, disse. Para Smith, a resiliência é fortalecida pela biodiversidade e diversida­de econômica e toda lei ambiental que protege a biodiversidade e a Justiça ambiental merece esforços.

No âmbito da infraestrutura, é preciso considerar obras concluí­das como barragens e transposi­ções, além da infraestrutura na­tural, como alagadiços e florestas. “O direito ambiental e sua aplica­ção é um componente crítico na avaliação de impactos ambien­tais para que a infraestrutura seja construída de maneira adequada e transparente”, explicou.

Sobre os aspectos sociais, po­líticos e de conhecimento, Smith explicou que as comunidades precisam reagir aos impactos das mudanças. Para isso, precisam participar do processo de gover­nança em diferentes instituições. “O aspecto legal tem a ver com ga­rantir que as organizações sejam equipadas para adaptar-se à me­dida que as mudanças climáticas causam impacto”, disse.

Para o juiz norte-america­no Michael Wilson, da Suprema Corte do Havaí, não é possível fa­lar em Justiça, mas sim em injus­tiça ambiental. “Trata-se de uma emergência declarada. Estamos criando a maior injustiça inter­nacional e ambiental por causa do planeta que estamos passan­do adiante”, disse, sobre os estu­dos que mostram que não será possível limitar o aquecimento global e como isso impactará as gerações futuras.

Segundo Wilson, os juristas re­unidos no fórum estão na van­guarda da Justiça ambiental. “O mundo com aumento de 2 ou 3 graus [Celsius] é ilegal. Onde vo­cês veem na lei que isso é condi­zente com as condições de vida?”, questionou. “O nosso juramento é de resgatar as espécies, de cons­tituir uma Justiça verde, para as­segurar que pelo menos tentamos mudar o futuro”, disse, critican­do o presidente dos Estados Uni­dos, Donald Trump, que defende a economia do carbono e diz que o aquecimento global é um mito.

O juiz da Suprema Corte cri­ticou ainda o alto número de as­sassinatos de ativistas ambientais, quatro por semana, segundo ele, fazendo um paralelo ao assassi­nato da vereadora Marielle Fran­co, do Rio de Janeiro, defensora dos direitos humanos. “Pessoas perdem suas vidas quando de­fendem seus valores”, disse.

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