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Quantos Márcios há nas ruas de Goiânia?

R ua 55, quadra 117, lote 32, Setor Central. A casa é um colchão rasgado e molha­do pela chuva. Alguns jornais en­volvem o leito. Os periódicos são usados para não sujar o colchão de xixi. Mas o odor no local é inevitá­vel. Um cheiro forte que se mistura com o fedor do inseticida, produto usado para matar e afastar as bara­tas do abrigo. Uma coberta mar­rom também faz parte do ambien­te, assim como sacolas de plástico, ao lado direito, que são usadas para guardar as fezes. Garrafas pets para armazenar água e canudinhos para consumir o líquido ficam bem pró­ximos dessas sacolas. E tudo isso por cima de uma lona azul, amar­rada no muro de grade, que limita um lote vazio com a calçada. Deta­lhe: a lona possui furos.

O dono dessa morada se cha­ma Márcio Monteiro Miguel, um homem de 39 anos, de cabelos crespos, rosto enrugado, pele mo­rena, com feridas, e sem alguns dentes frontais da parte inferior da boca. Ele é cadeirante, nasceu no Tocantins, mas há 16 anos ha­bita as ruas de Goiânia.

Sem filhos ou esposa, Márcio é bastante conhecido pelos seus vizinhos. “Eles me ajudam dan­do comida e água. Minha cadeira de rodas também fica no prédio aqui da frente”, contou. O seu dis­curso é um pouco confuso, sua voz tem dificuldade de sair pela boca, a impressão que se tem é que por aqueles lábios já saíram muitas palavras, mas poucas escutadas.

Márcio Monteiro não consegue explicar bem como foi parar na Rua 55. Na sua história sabe-se que antes de chegar à capital goiana, ele pas­sou pela capital federal, onde, se­gundo ele, já foi internado no Hos­pital de Base para tratar de acidente que ocorreu ainda no Tocantins.

“Eu já fui gari na cidade de Guru­pi e também já trabalhei na roça de lá. Um dia trabalhando na fa­zenda uma árvore caiu em cima de mim”, recordou. Supostamen­te seria a queda da árvore que o le­vou para Brasília. Contudo, com mais alguns minutos de prosa, Már­cio revela que já esteve em clínicas de reabilitação no Distrito Federal.

Ele nega consumo de bebida alcoólica, cigarros só por espor­te. Mas quando a noite cai e o céu escuro vira seu telhado, Márcio assume que cheira benzina, um líquido obtido na destilação fra­cionada do petróleo.

FAMÍLIA

Decifrar a vida de Márcio é um trabalho embaraçoso. Ao mesmo tempo em que se parece lúcido, ele também apresenta caracte­rísticas de alucinado, só que com uma observação, quando o assun­to é família o discurso flui.

Sua mãe se chama Juliana Mon­teiro, casou-se três vezes, primeiro com o careca, depois com o gaúcho e por último com o português, aliás, foi o português que tirou ela da pe­nitenciária, presa por tráfico de dro­gas. Destes relacionamentos, Julia­na teve quatro filhos mais o Márcio.

Chega a ser aflitivo o jeito como Márcio fala de sua família. Para ex­plicar como chegou a morar na rua, ele não consegue, mas narrar os seus momentos com os familiares ele exala exageros nos detalhes. “Mi­nha mãe é branca, mora na Rua São Paulo. Minha irmã é clara como mi­nha mãe e também mora em Guru­pi. Já o Ricardo não teve sorte na vida, mataram ele”, lamentou.

Mesmo com tantos anos vi­vendo na rua, Márcio garante que nunca foi agredido, pois a sua crença em Deus é maior que os seus medos. “Eu acredito demais Nele. Se eu não acreditar Nele, em quem vou acreditar? O povo fala de Deus só da boca para fora. Eu falo é com o coração”, afirmou.

SITUAÇÃO DE RUA

De acordo com a Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) da Prefeitura de Goiâ­nia, Márcio Monteiro não é um morador de rua, mas sim um ho­mem em situação de rua. “Quan­do o indivíduo possui residência e família não podemos caracteri­zar como um morador. Já entra­mos em contato com os paren­tes do Márcio no Tocantins, sua mãe falou que se colocar ele em um ônibus ela garante abrigo, mas não podemos obrigar o Márcio de entrar no veículo, porque ele não quer”, explicou a assessoria de co­municação da secretaria.

Márcio, além de ser um velho conhecido pelos seus vizinhos no Setor Central de Goiânia, também é pela Semas. “Já encaminhamos ele para centros de reabilitação, para casa de apoio, mas ele não quer ficar em nenhum lugar e nós não podemos obrigá-lo”, esclare­ceu a instituição.

Conforme o Movimento Na­cional da População em Situa­ção de Rua (MNPR), existem em Goiânia mais de duas mil pessoas vivendo nas ruas. Já a Semas não confirma estes números, porque a secretaria trabalha com dados de atendimento, no ano passado foram 4.502 abordagens.

A capital possui apenas um lo­cal de apoio da prefeitura municipal destinado a pessoas em situação de rua. A Casa Acolhida Cidadã (CAC) está localizada no Setor Campinas e suporta 200 pessoas. Também há somente uma casa de passagem, o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), que fica no Setor Uni­versitário, lá os indivíduos podem tomar banho, fazer refeições, mas não é permitido pernoitar.

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