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COTIDIANO

As medidas contra o bullying

  • Presidente do Conselho Estadual de Educação fala dos mecanismos disponíveis que as vítimas do bullying devem recorrer para que a intimidação sistemática cesse
  • Psicopedagoga orienta pais, professores e estudantes sobre como lidar com os “valentões” e quando a ajuda profissional especializada deve ser buscada
  • Escolas goianas realizam programas de combate contra assédio e violência, mas a execução desses programas são definidos livremente pelas instituições de ensino
  • Embora a tragédia ocorrida no Colégio Goyases devesse servir de exemplo para intensificar o discurso antibullying, Conselho Estadual já vê o episódio como alerta suficiente


A discussão que gira em torno da intimidação sistemática, popularmente conhecida como bullying, é extensa e sempre rodeada de polêmica. É um assunto delicado que merece atenção redobrada de pais e instituições educacionais e por razões óbvias, porque ele pode ser o gatilho para tragédias semelhantes ao ocorrido no Colégio Goyases.

A Lei 13.185, de 2015, sancionada pela então presidente Dilma Rousseff, trata diretamente sobre o bullying e impõe medidas a todas escolas do Brasil para conscientizar alunos e pais, através das instituições de ensino, e suprimir qualquer prática de intimidação sistemática. A partir da lei, que entrou em vigor no início de 2016 e já é diretriz há 18 meses aos órgãos administradores da educação, a capacitação de profissionais da área para lidarem corretamente com esse mal, e a organização de um programa antibullying (palestras, campanhas e discussões) nas escolas é obrigatória.

“A escola deve conscientizar os professores e pais de alunos sobre o que de fato é o bullying. Deve existir uma ponte de diálogo entre a direção da escola e os alunos, para que, caso exista algo de errado acontecendo, o educando possa ter livre acesso para expor as agressões verbais, físicas ou psicológicas que vem sofrendo”, explica a psicopedagoga Viviane de Jesus Silva. Para a especialista, é relevante também que a escola observe o modo de agir de cada aluno, tanto para entender as diferenças entre cada indivíduo quanto para saber lidar com tal diversidade.

Quanto ao agressor, o bully, ao descobrir tal comportamento em um aluno, a escola deve imediatamente convocar os pais. “Os responsáveis por esse garoto devem ser orientados a procurar ajuda de especialistas da área, para que seu filho seja acompanhado externamente, por um psicólogo, psicopedagogo, psiquiatra ou psicanalista. Essas terapias são fundamentais para que esse jovem reveja conceitos que, na maioria das vezes, ele mesmo criou”, pontua a especialista.

Mecanismos


A presidente do Conselho Estadual de Educação, Maria Ester Galvão de Carvalho, afirma que todas as instituições de ensino no estado estão, realmente, organizando programas de conscientização e combate ao bullying, e são efetivas no seu trabalho. “Não existe, porém, um modelo base específico que cada escola deve seguir. Elas possuem essa liberdade para definir e adotar um modelo que melhor condiz com a sua realidade. Mas o conceito, basicamente, é o mesmo: conscientizar os pais, professores e alunos, para que compreendam a dimensão do problema, e como devem tratar o tema”, elucida Maria Ester.

Em relação aos mecanismos que o estudante vítima de bullying possui para recorrer em sua defesa, a presidente aponta o professor como o primeiro adulto responsável, dentro da escola, como agente repressor à intimidação. “Caso a ação do professor não seja efetiva, o aluno deve procurar a coordenação da escola ou a diretoria para que medidas mais severas sejam tomadas. Mas aquele que sofre bullying também pode se valer das redes sociais para desabafar, expressar sua insatisfação e evidenciar o assédio praticado contra ele, como num ato de denúncia”, pontua ela.

A partir da tragédia no Colégio Goyases, no entanto, Maria Ester acredita que não será necessária medidas mais vigorosas contra o bullying, porque para ela, todas as medidas adotadas pelas instituições de ensino em Goiás são eficientes. “A tragédia no Colégio Goyases é, por si só, um alerta à população, e uma mensagem de que os pais devem redobrar a atenção e o cuidado aos filhos. Os conselhos de classe, realizados bimestral ou semestralmente, tratam de assuntos pedagógicos, então o bullying quase nunca é tratado em tais reuniões. Através dos professores e coordenação é que os casos devem se resolver”, conclui a presidente.

Especialista aponta providências efetivas


O psicólogo e mestre em psicoterapia relacional Sam Hadji Cyrous, em entrevista ao Diário da Manhã, demonstra como os diferentes lados que envolvem o bullying devem se portar diante de ocorrências. Vítima, intimidador, pais, escola e demais alunos devem ser participativos de maneira conjunta, e somente com a devida informação é que se consegue resultados efetivos. Confira a entrevista a seguir.

Diário da Manhã: Até que ponto o bullying prejudica o aluno? Quais as consequências imediatas e quais são as consequências a longo prazo, caso o bullying continue persistindo?

Sam Cyrous: Antes de mais nada, precisamos compreender o que é o bullying. Muitas pessoas dizem “mas sempre houve isso”. Sim, sempre houve, mas a massificação da comunicação informal seja entre colegas e amigos nos espaços comuns nos quais circulam, ou as mídias digitais aumentaram as suas proporções. Há cem anos, um comentário inapropriado sobre um colega era feito na escola e acabava; hoje é compartilhado em um sem-número de ambientes, nos quais um conhece o outro, para não dizer que um vídeo ou uma postagem numa rede virtual se propaga instantaneamente.

Então o bullying é mais do que “um comentário engraçado que eu não gosto”. Ele ocorre quando se percebe um desequilíbrio de poder entre dois lados, um dos quais exerce influência ou controle físico ou verbal, que causa sofrimento humilhante no outro, de forma sistemática e repetida. Vivendo num ciclo desses, ambos — agredido e agressor — acabam sentindo consequências.

O agredido pode desenvolver sintomas e quadros de depressão ou ansiedade, mudanças de hábitos alimentares ou de sono, e desinteresse generalizado que, por sua vez, leva a problemas na aquisição de conteúdo acadêmico e engajamento profissional adulto. O agressor tende a se envolver com abuso de álcool ou outras substâncias, vandalismo, e até desenvolver um cadastro criminal; abandono escolar e comportamentos abusivos com parceiros ou cônjuges também podem ser verificados quando adultos.

DM: O que a escola deve fazer em situações de bullying? Por que os abusadores também precisam de acompanhamento, certo?

Sam Cyrous: As escolas precisam oferecer ajuda a todos, inclusive às testemunhas. Se aprendemos algo nestes últimos dias é que todos podem sofrer com o processo. Estudos apontam que as crianças que testemunham bullying tendem a vir a abusar de álcool, tabaco e outras drogas, têm mais chances de desenvolver transtornos psíquicos e até evadir da escola. Então, numa situação dessas, cabe às escolas encontrar formas de desenvolver nos mais jovens a tolerância, o respeito e a aceitação à diversidade. Pessoas com crenças diferentes, grupos sociais diferentes e consequentemente com roupas e hábitos diferentes; pessoas com aspectos físicos como tom de pele, tamanho de nariz ou orelha ou alturas e pesos diferentes; o que faz de um melhor que o outro, exceto uma crença arraigada na cultura social ou familiar que uma forma de ser é mais “normal” ou mais “aceitável”? As escolas precisam ensinas às crianças, antes de qualquer outra coisa, a diversidade.

DM: Quando um profissional de saúde mental deve ser procurado?

Sam Cyrous: Sempre! Temos uma tendência de buscar apoio especializado somente quando a tragédia é iminente, ou já aconteceu. Precisamos buscar compreender o porquê da desmotivação escolar dos estudantes e o desânimo docente. Precisamos usar ferramentas advindos da ciência moderna: da pedagogia, os jogos cooperativos (no lugar dos competitivos); da psicologia positiva, o desenvolvimento de virtudes e forças de caráter; do existencialismo, a busca por atividades que permitam dar sentido à vida dos mais novos, como atividades de voluntariado. Aliás, se há algo que devesse ser sistemático e rotineiro na escola, não é a imposição de poder do que agride, mas o trabalho cooperativo e voluntário, em pé de igualdade, por uma causa que una as escolas.

DM: O que os pais e professores devem observar numa criança que sofre bullying e o que devem fazer?

Sam Cyrous: Primeiro observar e escutar. Como saberá se não presta atenção no filho? E se ele lhe conta, porque sabe que receberá um ouvido que escuta, e vê no pai uma pessoa que o ampara, não fazê-lo sentir-se mais envergonhado ou demonstrar raiva ou desapontamento. Agradeça e elogie a confiança, e lembre o seu filho que ele não está sozinho. Informe alguém relevante na escola e lembre de ajudar o seu filho a controlar a raiva e desenvolver resiliência, bem como a coragem de não reagir a provocações, de contar a adultos e de falar sobre isso. Além disso, se sentir que ele está abalado, é papel dos pais não ignorarem, manterem uma linha de diálogo aberta e levarem-no a procurar um profissional.

DM: E como os pais devem se portar quando descobrem que o seu filho pratica bullying? Que medidas eles devem tomar em casa e o que precisa mudar no acompanhamento do seu filho?

Sam Cyrous: É possível que muitos que cometem bullying sejam também eles vítimas de algum tipo de violência seja a física de pais abusadores ou a psicológica de agir impondo níveis de exigência acima da capacidade dos filhos. Mas se não for esse o caso, as mães e pais têm demonstrado afeto ao longo da vida e dado a devida atenção aos seus filhos, então o primeiro passo, quando informados das ações deles, devem reconhecer a verdade. Os pais precisam aceitar que seus filhos cometem erros e ensinar aos filhos que eles podem cometer erros, mas devem ser responsáveis por eles. E por isso não digo punição ou castigo, mas é necessária a clareza de que cada uma de nossas ações têm consequências positivas ou destrutivas na vida de outras pessoas. É, sobretudo, importante para esses pais assumirem de forma proativa a ponto de apoiar a escola em medidas educativas que possam melhorar o convívio na escola.

DM: A escola é capaz de prever e evitar tragédias semelhantes ao ocorrido no Colégio Goyases, na semana passada?

Sam Cyrous: É preciso termos o cuidado de não acharmos que as escolas podem adivinhar esse tipo de coisa. Mas é necessário que elas estejam atentas aos sinais. Um aluno que é exímio em uma coisa e depois começa a murchar em todos os aspectos da vida é algo a se investigar e não relegar a segundo plano como tolice infantil. Os pais precisam de acompanhamento não só na forma de lidar com seus filhos em sofrimento, mas inclusive em como armazenar armas. Você sabia que a National Crime Victimization Survey, uma entidade estadunidense, concluiu que 4% das crianças e jovens conseguem acesso fácil a armas de fogo? Um número que triplica se pensarmos em vítimas de bullying!

É por isso necessário também espaço de diálogo nas escolas não sobre o bullying, mas transformar as escolas em espaço de conversas significativas sobre os mais diversos temas que lhes tocam, oportunizando-lhes escutar as mais diversas opiniões e a criação de um respeito mútuo entre todos.

DM: Há então um trabalho sistêmico da escola?

Sam Cyrous: Sim, o sistema também precisa ser melhorado. Então, mais do que pensar nas causas, precisamos pensar em como melhorar o sistema no qual nossas crianças e pré-jovens estão inseridos. Precisamos criar espaços onde existam as qualidades de auto-consciência, auto-conhecimento, empatia, habilidade social, senso de responsabilidade e resiliência. Ao mesmo tempo precisamos oferecer um propósito para os nossos mais novos, oferecer-lhes oportunidades de canalizarem suas energias por causas comuns, onde poderão, juntos, desenvolver essas qualidades.

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