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Pães e malte em mercado nunca imaginado

Quando o produtor Macel Caixeta ensaiou o plantio de trigo no Cerrado, no início da década de 1990, quem imaginaria hoje que padarias de Brasília (DF) venderiam pães com farinha tritícola desse bioma? E mais impactante ainda: Alexandre Caixeta, seu filho, produzindo na atualidade em Silvânia, região da Estrada de Ferro, malte extraído justamente do trigo do Cerrado? As novidades estão presentes num mercado que antes consumia um produto oriundo da Argentina, do Canadá e dos Estados Unidos.

Hoje, triticultor como Alexandre colhe cinco toneladas por hectare, acima da média brasileira. No seu caso, faz estoque de malte para a cervejaria artesanal que implanta no Estado. Para tanto, utiliza-se de tecnologia canadense. Outros produtores vendem a safra de trigo a preços que oscilam de R$900 a R$1.000,00 a tonelada. Há produtor que realiza duas safras anuais de trigo ou outros que intercalam com soja. Esse sucesso é atribuído à tecnologia posta em prática pelos produtores, graças aos esforços de pesquisadores da Embrapa.

Favorecimento para o trigo

Atualmente, Goiás possui uma disponibilidade de área irrigada de 147.405 hectares. Mas como nem toda a área irrigada apresenta as condições de altitude requerida para a cultura do trigo. No plantio irrigado estima-se em 70% a área possível de aproveitamento e que, com uma produtividade média de 4.500 quilos por hectare, poderão ser produzidas 464.326 toneladas por ano. Desta forma, atenderia à demanda de 468 mil toneladas anuais processadas, atualmente, pelos quatro moinhos existentes. Com facilidade, poderão ser alcançadas as 600 mil toneladas/ano da capacidade de processamento instalada goiano. Isso sem considerar a produção de trigo de sequeiro, cuja instabilidade torna difícil estimar a produção anual.

Principais municípios

Entre os principais municípios goianos produtores de trigo estão Cristalina, Luziânia, Catalão e Rio Verde. Campo Alegre de Goiás, Ipameri e Jataí também são produtores de trigo no Estado. No Brasil, a cevada é cultivada em escala comercial exclusivamente para uso na fabricação de malte, principal matéria prima da indústria cervejeira. A expansão da cultura da cevada é relativamente recente e deve-se em grande parte as iniciativas da indústria cervejeira que fomentou a produção nacional para garantir oferta. E Alexandre Caixeta participa de uma fatia para produzir cerveja artesanal com o trigo de sua lavoura.

Crescimento da produção

No ano passado, o produtor Sebastião Conrado destinou cinco hectares da Fazenda Dom Bosco, em Cristalina (GO), para o cultivo da BRS 394 e teve produção acima de 120 sacos/hectare. Satisfeito com o resultado, ele aumentou, na safra de 2016, a área de plantio. Passou para 65 hectares. Demonstrando confiança na cultivar, ele estima que, para a próxima safra, irá plantar a BRS 394 em área de 100 a 200 hectares. "Com sua produtividade elevada e qualidade para panificação, a tendência é de que a BRS 394 substitua materiais lançados anteriormente. Para os produtores, ela veio para ficar", acredita.

A beleza e a uniformidade da lavoura cultivada com BRS 394 na Fazenda Dom Bosco chamou a atenção do produtor Paulo Bonato.  Ele resolveu também apostar na cultivar. Plantou, em 2016, a BRS 394 em 51 hectares de sua fazenda em Cristalina e colheu 116 sacos/hectare. Bonato aponta outra vantagem da cultivar: boa resistência às principais doenças que acometem a cultura.  Sem precisar gastar tanto com defensivos agrícolas, o produtor reduz parte de seus custos e, consequentemente, consegue maior rentabilidade.

Assim como o produtor Sebastião Conrado, o pesquisador Júlio Albrecht também acredita que o cultivo da BRS 394 irá crescer nos próximos anos. A cultivar BRS 264 ainda é a mais plantada no Cerrado, ocupando 80% da área cultivada com trigo na região. Com suas características superiores, em comparação a BRS 264, a BRS 394 está se tornando a melhor opção para o produtor do Brasil Central, de acordo como especialista.

"O objetivo do programa de melhoramento genético é lançar variedades mais produtivas, que vão aos poucos substituindo as anteriores. Isso está acontecendo naturalmente com essas variedades de trigo. A BRS 394 foi obtida a partir do cruzamento de uma variedade da Embrapa (Embrapa 22) com outra proveniente do International Maize and Wheat Improvement Center (Cimmyt), e conseguiu aliar qualidade e produtividade. O programa de melhoramento da Embrapa teve início na década de 1970 e está conseguindo transformar o Cerrado no terceiro polo produtor de trigo do País", afirma Albrecht.

A BRS 394 só foi lançada após cinco anos de avaliação (2010 a 2014) em propriedades de Unaí (MG), Cristalina (GO), Planaltina (DF), São Gotardo (MG) e Coromandel (MG). A cultivar é indicada para cultivo irrigado, em altitude superior a 500 metros, no Distrito Federal e nos estados de Goiás e Minas Gerais, e em áreas de altitude maior que 600 metros no Oeste da Bahia e no Mato Grosso.

A cultivar apresenta outras importantes características importantes como ciclo precoce (total de 120 dias da emergência das plantas até a colheita), resistência à debulha natural e moderada resistência ao acamamento.

Produtores interessados em adquirir sementes da BRS 394 credenciadas pela Embrapa devem entrar em contato com: Coopa-DF- (61) 3339-6500, Aurora Armazéns Gerais (Cristalina- GO) - (61) 3504-0315, Copamil (Iraí de Minas- MG) - (34) 3845-1000  e Roberto Abrahim (Araguari-MG) - (34) 3241-2099

Pães fabricados com trigo do Cerrado chegam à mesa do consumidor no DF

Há alguns anos imaginar consumir pães elaborados exclusivamente com farinha de trigo produzida com variedades de trigo cultivadas no Cerrado não passava de um sonho. Aos poucos, a farinha de trigo comercializada na região vai ganhando espaço entre as panificadoras do Distrito Federal. O percentual de estabelecimentos ainda é pequeno, mas algumas panificadoras já usam 100% da farinha regional.

A maior oferta de farinha de trigo pelo moinho, que atualmente atende 15% do mercado do DF, só é possível porque a pesquisa de melhoramento genético do trigo disponibiliza aos agricultores cultivares de elevada produtividade e alta qualidade de panificação. O produto usado na região mescla três farinhas produzidas a partir de variedades de trigo da Embrapa: BRS 254, BRS 264 e BRS 394. Os grãos da BRS 394, lançada em 2015, apresentam qualidade industrial voltada à panificação.

Com essa farinha, as panificadoras conseguem produzir, em média, 15% a mais com um quilo de matéria-prima, já que podem adicionar água sem comprometer a qualidade do pão, pois essas variedades apresentam alta força de glúten, o que permite maior rendimento da farinha.

Esse é o resultado de uma ação com "efeito cascata": o produtor aposta na cultivar e, consequentemente, aumenta sua área de plantio; o moinho, atraído pela qualidade de panificação, compra mais trigo e produz volume maior de farinha; a panificadora adquire farinha de qualidade e com preço inferior ao do trigo importado.

A Pepita Pães e Conveniências é uma das redes de panificadoras que está substituindo a farinha de trigo importada pela do Cerrado. O proprietário Maurício Tavares conta que já usava parte da farinha fabricada pelo moinho da Cooperativa Agropecuária da Região do Distrito Federal (Coopa-DF), completando a importada, mas depois de perceber a força de glúten da farinha local passou a usá-la integralmente. "Quando vi que o resultado era similar ao obtido com a outra farinha, passei, há pouco mais de três meses, a comprar apenas a farinha daqui. Optei pela substituição também porque a farinha é mais barata, o que reduz parte do meu custo", declara.

Essa diminuição no custo da panificação ainda não refletiu no preço do pão pago pelo consumidor. Isso porque a farinha de trigo é apenas uma das matérias-primas usadas na fabricação do pão e massas doces. Somam-se aos ingredientes, os custos de embalagem, energia, mão de obra e despesas físicas, entre outros. Nessa fase inicial, a redução do preço de um item compensa a alta em outro. No entanto, na opinião de Tavares, a tendência é de se obter o equilíbrio nos preços à medida que continue aumentando a oferta da farinha regional.

Os grãos da BRS 394 são de excelente qualidade industrial para panificação. Isso porque é um trigo classificado como melhorador, que apresenta alta força de glúten (média de 350 x 10-4 J) e estabilidade (28 minutos). A força de glúten está ligada à quantidade de proteínas que formam o glúten, permitindo o crescimento da massa durante o processo de panificação. Já a estabilidade indica a resistência da massa ao tratamento mecânico e ao processo fermentativo na fabricação do pão.

Outra vantagem da cultivar BRS 394, de acordo com o presidente da Coopa-DF Leomar Cenci, é o índice de extração, no moinho, da farinha do trigo, que pode chegar até a 80%, mantendo a mesma qualidade. Para as panificadoras, o uso da cultivar garante a produção de pães com características que atendem às exigências do consumidor. "Só se consegue pão com qualidade o ano todo por causa da alta estabilidade e força de glúten do trigo BRS 394", afirma Cenci.

Já na safra de 2015, a cultivar BRS 394 confirmou seu elevado potencial de produtividade. Em lavouras de produção de sementes, essa cultivar produziu em média 120 sacos/hectare. Na safra de 2016, a média foi a mesma da safra anterior, com registro de produtores que conseguiram até 129 sacos/hectare de grãos, como Vilson Baron, da Fazenda Sossego, em São João da D'Aliança (GO). "Esses números apenas reforçam no campo a qualidade desse material. Sabemos do seu potencial genético e acreditamos que, se o produtor utilizar toda a tecnologia disponível, ele alcança tranquilamente até 140 sacos/hectare", declara o pesquisador da Embrapa Cerrados (DF), Júlio Albrecht.

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