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CORONAVÍRUS

MP abre brecha para que funcionário seja demitido em meio à crise do coronavírus

Mesmo após o governo ter voltado atrás na medida provisória (MP) 927/2020, publicada no domingo (22), depois de fortes críticas nas redes sociais, alguns pontos da medida não foram alterados.

À princípio a nova medida permitia flexibilizações trabalhistas em tempos de pandemia pelo novo coronavírus, a exemplo da suspensão por quatro meses de contrato e salário de seus funcionários, deixando-os sem rendimentos.

Após repercussão negativa, vindas também do próprio Ministério Público do Trabalho, associações de juristas e do presidente da Câmera dos Deputados Rodrigo Maia, o governo editou nova MP na noite de segunda (23).

A edição suspendeu o artigo 18 (o que permitia a quebra dos contratos). Contudo, outros pontos da MP não foram alterados

Um deles, o artigo 29, afirma que os "casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais", ou seja, não serão considerados acidentes ou doenças de trabalho, exceto quando o trabalhador conseguir comprovar que essa contaminação aconteceu no escritório, comércio ou fábrica.

A Agência Repórter Brasil conversou com especialistas trabalhistas que foram unanimes em afirmar que a relação entre a doença e o ambiente de trabalho é um dos poucos casos hoje em que o trabalhador possui garantia de estabilidade no emprego.

Após retornar da licença médica, ele não pode ser demitido durante 12 meses. Ou seja, ao dificultar a responsabilização da empresa, o governo abre a porta para a demissão justo em um momento de possível crise econômica generalizada.

A MP ainda incentiva que empresas continuem em funcionamento normal e colocando seus trabalhadores em risco.

O advogado trabalhista Fernando José Hirsch, sócio do escritório LBS Advogados, afirma. "É uma medida para proteger o empresário, para fazer com que as empresas funcionem, o que é o inverso do que seria recomendado do ponto de vista da saúde".

Hirsch também explica que em caso de contaminação no local de trabalho, o funcionário poderia alegar que adquiriu o vírus por ser impedido de fazer quarentena, contudo, vai precisar demonstrar que estava sem máscara, que não tinha álcool em gel e que a contaminação não ocorreu em outro lugar, o que não é simples.

Com essa postura subjetiva da MP, é difícil responsabilizar a empresa, caso ocorra contaminação no ambiente de trabalho. Além disso, tem grave impacto nos casos de mortos em decorrência do vírus, já que dificulta a obtenção de indenização na Justiça, afetando além de funcionários, sua família, e algum membro do grupo de risco que morreu após ter contato com um trabalhador infectado.

"A família fica totalmente sem respaldo, e isso vai na contramão do que decidiu o Supremo Tribunal Federal recentemente em relação a esta questão da responsabilidade do empregador por dano decorrente por doenças no trabalho ou exposição a riscos. A responsabilidade é objetiva do empregador, segundo o STF", afirmou a presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), Alessandra Camarano Martins.

Trabalhador demitido pode ir à justiça?

Caso o trabalhador seja demitido após adquirir o coronavírus no empego, ele pode entrar com um processo na Justiça, segundo Ângelo Fabiano Farias da Costa, da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho. "Tem chances de ele ser reintegrado judicialmente no trabalho ou ser indenizado pelo período de 12 meses."

A indenização pela contaminação pode ser reclamada em uma ação de responsabilidade civil. Costa pontuou ainda que, no caso de situações coletivas, como o de um surto no ambiente de trabalho, os trabalhadores poderão denunciar o caso ao Ministério Público do Trabalho, que poderá entrar com ação contra a empresa.

O único problema de depender da Justiça para comprovar a responsabilidade da empresa é que, com a recente reforma trabalhista, o trabalhador poderá ser condenado a pagar os honorários advocatícios e periciais caso não tenha ganho de causa.

Além disso a dificuldade da comprovação do contágio no ambiente de trabalho é dificultada pela própria MP, segundo o presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas, Camarano Martins, uma vez que seu artigo 15 suspende, durante o estado de calamidade pública, "a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares", com exceção dos exames demissionais, que poderá ser feito 60 dias após o encerramento do estado de calamidade pública.

Segundo a presidente da Associação de Juízes para a Democracia, Valdete Souto Severo, "essa MP tem um caráter simbólico: enquanto o mundo está parado, esperando dos seus governos uma posição, nosso governo dá como resposta que vai precarizar mais, tirar direitos e suspender qualquer exigência em segurança e saúde do trabalho. Qual é o recado social que está sendo dado aqui?"

*Com informações da Agência Repórter Brasil

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