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Trabalho invisível feminino representa 8,5% do PIB, aponta pesquisa da FGV Ibre

As mulheres dedicam, em média, 21,3 horas por semana à economia do cuidado, os homens gastam 11,1 horas

Foto: Reprodução/Ilustração Foto: Reprodução/Ilustração

Trabalhos domésticos, tidos como femininos como limpar a casa, lavar, passar, dobrar, guardar a roupa, varrer a casa, lavar o banheiro, organizar os armários, fazer compras, guardar as compras, fazer comida, lavar a louça, cuidar das crianças e dos idoso, levar o pet ao veterinário, tirar o lixo, pagar as contas de casa, conferir se é preciso comprar roupa, sapato ou material escolar para a criança, ir à reunião de pais da escola.

Trabalhos que envolvem cuidados e esforços com dependentes (idosos e crianças), gera uma economia para os envolvidos e são tarefas que precisam ser feitas para que todos produzam e cumpram seu papel na sociedade, mas não são reconhecidos e acabam sendo invisíveis, não valorizados e não remunerados.

Na economia do cuidado, 65% é realizado por mulheres. Caso fosse computado representaria 8,5% do PIB (Produto Interno Bruto) do país, segundo pesquisadores do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas). E considerando a participação dos homens nos serviços de cuidados, o total, seria de 13% do PIB.

O tema da redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) ganhou relevância no cenário nacional, no último domingo, 05, "Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil".

Esse trabalho é essencial para o bem-estar de todos, para que a engrenagem social funcione, mas não é valorizada, diz Hildete, professora da Faculdade de Economia da UFF (Universidade Federal Fluminense) e editora da Revista Gênero. "Pior que isso: serve para limitar o direito da mulher a uma melhor qualidade de vida e a ascender na carreira. O seu tempo livre é dedicado aos outros", diz.

Um artigo publicado por Hildete e outros dois pesquisadores, os economistas Claudio Considera e Alberto Di Sabbato, "Os afazeres domésticos contam!", verificaram a quantidade de horas dedicadas a tarefas domésticas declarada na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) por homens e mulheres.

A conclusão é que o tempo gasto com os cuidados com o lar e a família correspondeu a 11,2% do PIB, em média, entre os anos de 2001 e 2005. À época, essa quantidade de horas foi multiplicada pelo rendimento médio das trabalhadoras domésticas.

Em outubro deste ano, Hildete e a pesquisadora FGV Ibre Isabela Duarte Kelly atualizaram o estudo, considerando os dados da Pnad Contínua entre 2016 e 2022. Se o trabalho com a casa e a família fosse remunerado chegaria à cifra de ao menos 13% do PIB brasileiro, em média.

A cifra ainda é subestimada porque, nos cálculos, os pesquisadores multiplicaram as horas gastas no trabalho invisível pela remuneração do trabalho doméstico, uma das mais baixas do país. As mulheres dedicam, em média, 21,3 horas por semana à economia do cuidado. Os homens gastam 11,1 horas.

Se fosse comparadas a outras profissões de cuidado com pessoas -como professores, babás e cuidadores- têm remuneração mais alta que a dos trabalhadores domésticos, o que elevaria o valor do trabalho invisível e, portanto, a porcentagem do PIB que ele representa.

A alta de 11,2% para 13% do PIB entre os dois períodos, segundo os pesquisadores, se deve ao aumento da remuneração das domésticas.

"Não se trata aqui, de propor uma remuneração à mãe, à filha, irmã ou qualquer mulher na família que desempenhe a tarefa de cuidados com o lar , mas de apontar que o trabalho delas é tão relevante que representa um percentual importante para a economia do país. É tempo dedicado aos outros, que precisa ser melhor compartilhado com os demais integrantes da família", diz Claudio Considera.

Existem ainda os custos indiretos. Na opinião da pesquisadora Isabela Duarte Kelly, a mulher sobrecarregada com trabalhos domésticos e de cuidados com os outros não só prejudica a própria qualidade de vida, como perde chances de ascender na carreira.

Um sugestão de Isabela, seria a mulher escolher trabalhos de meio período ou que ela possa fazer em casa, para conciliar as atividades de cuidados. "Nesses trabalhos, na maioria das vezes, ela ganha menos."

O estudo do FGV Ibre apontou diferentes graus de discriminação de acordo com a região do país.

"As mulheres do Nordeste são as que mais dedicam tempo à economia do cuidado: 22,3 horas por semana, contra 10,9 horas dos homens", diz Hildete. O Centro-Oeste é onde tanto mulheres quanto homens menos dedicam tempo aos cuidados: 18,7 e 9,8 horas por semana, respectivamente.

De acordo com o estudo, mulheres sem instrução ou com o ensino fundamental incompleto dedicam 23,3 horas por semana à economia do cuidado, contra 18 horas das que têm a formação superior completa.

No Brasil, o salário dos homens é 26,8% maior do que o das mulheres, em média. Considerando por região, porém, os estados do Norte e Nordeste apresentam a menor diferença salarial entre os sexos: 13,1% e 14,5%, nesta ordem. "São também os estados com os menores salários médios", diz Hildete. No Sul, está a maior discrepância salarial: R$ 3.504 para eles e R$ 2.639 para elas, uma diferença de 33%.

Além do machismo estrutural na sociedade, os pesquisadores apontam, que o Estado tem condições de prover parte desses cuidados, com creches e escolas em período integral, assim como asilos públicos, hoje escassos no Brasil.

"É preciso garantir escolas e creches em período integral, com opções inclusive nos fins de semana, para mulheres que têm a necessidade de trabalhar aos sábados e domingos", diz Isabela.

Algo pra ser revisto é a licença-maternidade, aponta a pesquisadora, pois, hoje a lei brasileira prevê 120 dias para as mães, e de apenas cinco dias para os pais - embora um projeto de lei de licença parental preveja 120 dias para qualquer cuidador.

"A partir do momento que o próprio Estado considera que compete apenas à mãe cuidar da criança nos primeiros meses de vida isso só reforça estereótipos", afirma a pesquisadora.

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