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POLÍTICA

A queda de braço da educação

Administradores públicos defendem novo sistema, como forma de tentar melhoria do desempenho dos alunos em testes como vestibular e Enem. Especialistas se dividem entre modelo de OS e outros, como o sistema de vaucher

Experiência educacional vencedora do Piauí, estado com melhores desempenhos individuais em testes como Enem, mostram que saída pode não ser repassar gestão para iniciativa privada, mas escolher melhor os gestores públicos

Um dos maiores debates travados nos últimos tempos em Goiás tem quebrado a cabeça de gestores públicos e sociedade civil em outros estados e países do mundo.

O projeto do governo iniciar ainda neste semestre a aplicação do modelo de escolas charter na rede pública de ensino tornou-se notícia negativa no mundo: jornais como “El País” e “The New York Times” anunciaram uma revolta dos estudantes secundaristas sem precedentes em 25 escolas de Goiás.

Eles se mobilizam neste momento contra o projeto e denunciam suposta tentativa do governo iniciar um processo de privatização ou terceirização da educação pública.

Em defesa deste pensamento, inúmeras teorias surgiram nas redes sociais e imprensa, como a de que este seria mais um passo do Governo de Goiás em direção ao princípio neoliberal do estado mínimo – em curso desde a gestão de Fernando Henrique Cardoso, que se apressou em vender empresas públicas como a Vale do Rio Doce e repassar as telefônicas para a iniciativa privada.  Na época, uma enorme dívida pública - ocasionada pela má gestão dos presidentes do país -  fez com que a única alternativa do país fosse vender patrimônios públicos.

Neste modelo, que teve início quando o Brasil entrou em crise na década de 1990, Goiás perdeu, por exemplo, a empresa Cachoeira Dourada, produtora da energia elétrica consumida em Goiás. O Estado vendeu também patrimônios públicos como o Banco do Estado de Goiás (BEG) e repassou as funções da Metais de Goiás S/A (Metago) para a iniciativa privada.  Hoje, os serviços do BEG são realizados por empresas como Itaú e Caixa Econômica. E a exploração mineral recaiu em grandes multinacionais, que têm em mãos o direito de explorar bens minerais encontrados no solo dos goianos.

Em contrapartida às críticas de que esteja no caminho da privatização, o Governo de Goiás apresenta um discurso completamente inverso: a mudança de orientação educacional, que ainda não será plena, visa atender à busca de qualidade. Apesar de o Estado ser um dos que mais cresceram em desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), principalmente nos levantamentos de 2013 e 2014, ele reconhece que as escolas goianas estão distantes da performance apresentada pelas melhores do país – sejam privadas ou mesmo públicas, de origem federal.

Não bastasse, existe uma rusga do governador goiano com parcela dos professores públicos - muitas vezes considerados pelos próprios alunos e familiares como os responsáveis pela qualidade ruim da educação ofertada pelo Estado, ao lado, claro, da má gestão dos governadores e secretários. Para piorar o relacionamento, durante seu terceiro mandato, Marconi Perillo cortou a titularidade, o que diminui o interesse do professor em se especializar como mestre e doutor para dar aulas.

“Existe um tentativa do governador, verdade seja dita, moralizar: existem professores que faltam aulas, descompromissados, que agem de forma política. E não tem santo que aguente”, diz ao Diário da Manhã um deputado estadual da base do governo, que entende “os motivos” do governador de Goiás “enfrentar” os professores com um novo modelo.

O próprio Marconi Perillo disse que enfrentaria os professores grevistas, a quem chamou de “baderneiros”. Em evento realizado no Centro Cultural Oscar Niemeyer, há seis meses, após um protesto, o governador deixou claro que separaria a conduta do professor e do baderneiro e que não teria medo de instituir mudanças que achasse necessárias para o sistema de educação de Goiás: “Talvez tentando me intimidar para que eu não viesse aqui. Radicais, pessoas que são acostumados a baderna, ao desrespeito, à deseducação. Mas eu tenho coragem de enfrentá-los, todos, de cabeça erguida”.

Mudança


Inicialmente contrária ao uso das Organizações Sociais (OS) na educação, a própria secretária de Educação, Raquel Teixeira, resolveu abraçar a causa e tem defendido a mudança, com a garantia de que o sistema será melhor para o estudante e para o governo, que economizaria os recursos gastos com aluno.

Os estudantes e professores, por sua vez, acusam: as OS não funcionam como o sistema público de ensino. Isso significa que professores, por exemplo, não seriam mais servidores do Estado – a redução da profissão sob a ótica da carreira pública é o que move a ação dos professores. A secretária Raquel, por sua vez, diz que os professores atenderiam às “bases estritamente meritocráticas”.

Já os alunos reclamam que as OS seriam usadas para desviar recursos públicos e destiná-los aos políticos, por exemplo. “Será uma lavagem de dinheiro legalizada. O Estado dá para a OS. E a OS dá para o político depois, quando e como quiser”, diz uma postagem na página dos estudantes mantida em uma rede social, os Secundaristas em Luta-GO.

Em defesa das OS’s e da retomada das escolas ocupadas, o Governo lançou mão de ações questionadas pela sociedade civil e Ministério Público, como o corte da oferta de água para os ocupantes das escolas e o uso da força contra os secundaristas – cujo melhor exemplo é a imagem que circula na internet, divulgada pela imprensa nacional e que foi compartilhada mais de 12 mil vezes, em que um policial militar goiano mostra uma arma para um adolescente que participa das manifestações.

É neste cenário que o DM busca entender nas linhas seguintes o que são as OS’s propostas pelo Governo de Goiás para gerir escolas públicas e como especialistas tratam o tema.

A educação é apaixonante e a partir da própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) torna-se possível perceber que o não debate da proposta do governo seria ferir a lei em seu espírito. O artigo terceiro, que trata das bases do ensino brasileiro estipula o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas como macro princípio. Negá-lo é ferir o Estado Democrático de Direito.

Veja também: Escolas charters de Pernambuco duraram três anos


Fracasso do Estado máximo chega ao ensino público


Estudantes de Goiás realizam passeata contra mudança de sistema educacional: assunto tornou-se notícia em todo mundo, com destaque para o New York Times, que disse: "Décadas depois de retomar a democracia da ditadura militar, uma nova geração de jovens ativistas confronta uma nova geração de políticos arrogantes"

O modelo educacional proposto pelo Governo de Goiás e que tem gerado polêmica propõe a gestão compartilhada entre Estado e Organizações Sociais (OS) das escolas estaduais.

Por elas, conforme o portal da Secretaria de Educação de Goiás, seria instituído uma gestão compartilhada com entidades privadas, que serão remuneradas para isso. Em vez de professores concursados, poderá surgir o modelo de profissional contratado conforme as leis trabalhistas de mercado – como ocorre nas escolas particulares.

A modificação não ocorrerá em todas as unidades de ensino e a Secretaria de Educação descarta o termo terceirização e usa “fomento”: “Parceria é fomento. A prestação de serviços é quando o Estado compra um serviço para si, a exemplo de serviços de limpeza e vigilância. O fomento é quando o Estado financia, apoia tecnicamente e controla um agente privado para este prestar serviços de relevância pública para os cidadãos beneficiários”.

Aos moldes da educação pública, a OS vai ganhar  recursos por aluno. No serviço público, ocorre exatamente o investimento por aluno. A secretária Raquel Teixeira, em 2015, chegou a dizer que prefere outras formas de parceria e não o sistema de OS. Na visão da secretária, acompanhar as finanças destas instituições seria difícil, por conta da transparência. Todavia, a gestora mudou de ideia nos últimos meses e defendeu o uso de organizações sociais no sistema educacional goiano.

Inspirada no modelo americano de escolas charter, a proposta do Governo de Goiás foi rebatida pelos profissionais de educação e também entidades de pesquisa, caso da Universidade Federal de Goiás (UFG). Notas de desagravo foram divulgadas pelas faculdades de Comunicação, de Ciências Sociais, de Educação e de Direito.

Apesar das críticas de diversos especialistas destas entidades, as escolas charter, que inspiram a iniciativa do governo goiano, têm apoio de vários especialistas ou ao menos são entendidas como uma tentativa para melhorar a qualidade da educação pública.

Alternativa


Reynaldo Fernandes, professor da Universidade de São Paulo (USP) e ex-presidente do Inep, realizou estudo sobre as escolas que seguem o sistema americano. Para ele, em regra, existe melhora dos índices educacionais. Mas ele revela a existência de outras espécies de mudanças de gestão pedagógica no mundo

De acordo com Reynaldo Fernandes, professor da Universidade de São Paulo (USP) e ex-presidente do Inep, instituto responsável pela execução do Enem, a experiência das escolas charters deve ser avaliada como real alternativa. “Em tese, a charter não elimina a escola pública, desde que existam recursos para ambas”.

Ele diz que se o Estado dar muito mais recursos para as escolas charter do que para as tradicionais existirá uma violação desse princípio. “A charter é uma ideia de colocar mais competição dentre as unidades. E os resultados são um pouco mistos. Não existe muita evidência de que a escolas charter têm melhores desempenhos do que as escolas tradicionais”, afirma o professor, que escreveu um artigo científico sobre a experiência deste modelo educacional. Reynaldo explica que existe, todavia, uma  tendência de que as escolas charters elevem a qualidade do ensino. “A regra deve ser garantia da qualidade. A questão chave é se isso melhora ou não para o aluno”, diz.

O professor questiona a questão ideológica. Para ele, o resultado interessa mais para o aluno. E se existe ou não participação de entidades privadas é uma questão menor.

Para o sociólogo Marcelo Cardoso, que realiza pesquisa de doutorado sobre a relação do Estado com a educação, o problema maior das políticas de educação é exatamente o formato de estado que se anuncia no Brasil. “Você observa aos poucos uma terceirização do Estado. Ele faz isso com as rodovias, fez isso com a rodoviária de Goiânia, com a saúde, com as telefônicas, etc. Quer dizer: existe uma tendência, sim, da privatização do público, que é algo complexo”, afirma.

O pesquisador ressalta que o estado faz isso por dois motivos: “No Brasil, principalmente, surgiu uma escala da corrupção: o chefe do Executivo é corrupto, o secretário, o diretor, o gerente, até o recurso chegar nas profissões de base já perdeu mais da metade do valor real. Esse comportamento de risco produz um elogio ao roubo do estado. Se o estado privatiza, em parte, ele reduz esse roubo. Essa é a boa teoria para se privatizar, melhorar eficiência por meio da redução de agentes públicos que colocam a mão nesse dinheiro”.

Melhora


Marcelo diz que a tendência é que ocorra uma melhora, sim, dos serviços, mas que não soluciona um problema mais amplo, que é a efetividade do Estado. “Imagine o que vai sobrar? Amanhã poderemos terceirizar juízes, o que já acontece de certa forma com as cortes de conciliação sem magistrados togados”, critica.

Conforme Marcelo, a crise do “Estado máximo” não é culpa do estado e da população, mas da “qualidade dos agentes públicos que gerenciam o Brasil”. Daí que  o segundo motivo seria a incapacidade dos gestores eleitos em formar equipes eficientes. “Elegemos pessoas que nada entendem de educação. E que selecionam auxiliares que também são fracos gestores. Daí só resta pagar pra quem sabe. O problema revela um enfraquecimento do Estado”.

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Saiba mais


Motivos para defender ou não as OS’s na educação

Quem defende a OS alega que...

Conforme o governo, as OSs podem redistribuir e equalizar a verba da Educação investindo os mesmos recursos. Hoje o gasto mensal para manter um aluno na rede estadual é de R$ 388,90, mas o custo para as OSs foi fixado entre R$ 250 e R$ 350 . Esse custo é calculado com base em gasto com pessoal (salários, incluindo 13º de professores e administrativos – e é importante lembrar que a OS não recebe custos com pessoal), material, manutenção, água, luz, telefone, merenda, entre outros.

Mais segurança

A escola terá  segurança reforçada, boa estrutura e um espaço agradável e propício ao aprendizado. As OS’s contratarão professores e servidores administrativos. Elas terão que oferecer tais serviços e o Estado vai fiscalizar rotineiramente, com vistas a garantir o bem-estar dos estudantes.

Sem cobranças

Não existe possibilidade de cobrança de mensalidade, taxas ou contribuições por parte das OS’s para os alunos da rede pública, diz o governo. Não há previsão legal. No caso das escolas militares de Goiás, contudo, existe a possibilidade de associações de pais e mestres estipularem contribuições.  A secretaria garante que tais contribuições não serão exigidas nas OS’s.

Professores

As OS’s na Educação podem decidir em utilizar professores, conforme já ocorre na iniciativa privada. É a escola que opta por selecionar o mestre. Na prática, a escola optará conforme a lei de mercado. Com o tempo deve reduzir a oferta de concursos já que o estabelecimento das OS’s vai criar uma nova figura de professor.

Quem é contra a OS alega que...

Privatização da educação

As OS’s são o primeiro passo do Estado para iniciar a privatização da educação. Os estudantes e defensores destas teses afirmam que o Estado teria a intensão de repassar os serviços de educação para grupos econômicos, que os auxiliam a se manter na política e a lucrar. Alegam que diversos serviços antes gratuitos agora serão pagos, como o estacionamento do Terminal Rodoviário, os pedágios e outras espécies de serviços. Em tese, nada impede que uma OS contrate depois um governador, por exemplo, para dar palestras na escola. E no valor que a escola achar justo, como várias multinacionais já fazem com o ex-presidente Lula, por exemplo.

Vai aumentar a corrupção

As OS’s são modelos de empresas privadas, que apresentam bem menos transparência do que órgãos públicos. A estratégia de utilização das OS atenderia uma nova forma de corrupção, em que os agentes públicos querem repassar legalmente recursos para a iniciativa privada e depois pegar de volta parte destes recursos por meio de um meio licito e que não envolva investigações do Ministério Público. Os tribunais teriam dificuldades em acompanhar a evolução das contas destas empresas.

Destruição de carreiras

Parte considerável dos alunos de escolas públicas opta por carreiras de docência e vislumbram na implantação das OS a declaração do fim da profissão de professor como espécie de carreira pública.  Eles estão atentos ao que chamam de “exclusão dos formadores da cidadania” da carreira de Estado. Para eles, carreiras tão nobres como de professores deveriam, de fato, ser valorizadas pelo Estado e não desconsideradas.

Não existem pesquisas

Os estudantes e professores contrários ao sistema de OS dizem que inexistem pesquisas conclusivas quanto à qualidade. E questionam que o estado quer é na verdade reduzir os gastos com educação, conforme a própria secretaria teria anunciado com o gasto menor por aluno. Seria trocar o certo pelo duvidoso e com o alento de fazer com que o Estado gaste menos com educação.

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